Foi a segunda consulta com o dentista dos olhos bonitos desde que acabei os tratamentos. Isto, para explicar por que é que fui lá duas vezes no espaço de um mês e meio: havia-me queixado de que um dos dentes de baixo estava a sair do lugar onde os ferros que ele me pôs o tinham colocado e ele disse-me que me ia pôr um bracket. Por acaso, estudei a questão no Google, a ver se percebia como é que se prende um único bracket e não tirei conclusão nenhuma, pois tal possibilidade nem sequer existe. Mas siga.
(Eu sou aquela pessoa que tirou o aparelho semanas antes de começar uma pandemia a nível mundial e se viu obrigada a usar máscara.)
O dentista tinha-me pedido que levasse todos os aparelhos de contenção que tivesse em casa, e eu assim fiz: levei os três que parti (e ele desistiu de me fazer o quarto, ao contrário de cônjuge noutro sector) e o do branqueamento, todos muito aconchegados numa caixa bonita e cor-de-rosa que alguém no hospital se viu obrigado a oferecer-me em tempos, quando estive internada com covid e me deitaram o aparelho para o lixo. Após pé de vento (meu) e buscas intermináveis (delas) no lixo do pequeno-almoço de um piso inteiro, sei lá se misturado com fraldas, lá apareceu o meu aparelho, que eu só sei que era mesmo o meu porque me servia. Entretanto, fora desinfectado, a acreditar no que disse a responsável que mo devolveu. Mas siga.
Ia aqui a vítima de todos os improváveis muito bem a caminhar no passeio, cai-lhe a m. da caixa para o chão, abre-se e espalham-se todos os aparelhos na calçada portuguesa. Que contratempo, andar ali de rabo para o ar a pescar transparências de plástico, uma em cada ponta do passeio. Isto que sirva de exemplo aos donos dos cães: por piedade, apanhem sempre os dejectos dos vossos bichos, porque pode vir uma idosa e deixar cair a placa em cima de um.
Chegada à cadeira do dentista, ele pede a Sónia “Compósito” (que mais não é do que Supercola-3, passe a publicidade) e desata a espalhar cola em cinco dentes de baixo. Dos meus, entenda-se. Nisto, toca o telefone e ele faz o que nunca fez: vai para a sala ao lado atender. (Passarinh@ nov@?) Senti tanta liberdade que resolvi fechar a boca, não ia ficar ali feita boneca insuflável à espera que ele voltasse. Foi o horror: o “compósito” colou-se-me aos dentes de cima, por dentro, e à língua. Além disso, sabe a quê? Supercola, gasolina, benzovac? Sei que, no pânico, clamei por Sónia, só assim a mexer os lábios, que imediatamente me socorreu, qual bombeiro, de aspirador e jacto em punho, e me aspirou, enquanto ejectava água, os dentes e a língua. Quando o dentista regressou à sala, estava eu de língua de fora e Sónia (que, como sabem, tem o desejo inconfesso de me assassinar através da aspiração das minhas amígdalas) de aspirador em punho a aspirar-ma.
(Acho que, sem querer, criei uma nova dieta. Vou registar a patente.)
Saí de lá com os cinco brackets e pedi elásticos cor-de-rosa: laço rosa, de Outubro rosa.