Estou no sítio ideal para o fazer, fechada no carro, sozinha, a fazer horas. Tenho o bloco que sempre me acompanha, na esperança de ter um rasgo, o mesmo que me desaparece mal o abro.
Falta-me uma caneta. Vasculho na mala, e encontro uma, oferecida pelo IPS, de uma das vezes que me fui lá dar. Está sem tinta, de tanto escrever com ela. Ou já terá vindo sangrada, como eu quando de lá saí naquele dia? Encontro também chocolates pequeninos, embrulhados individualmente, que roubei da bombonière do médico, de uma das vezes que me fui lá ficar. Faço-o sempre com um alarido que me retira o dolo ao crime: aviso que vou roubar e então pratico-o. Tenho também pacotes de açúcar, que nunca uso, mas guardo às vezes. Corro o risco de que rebentem na mala, para depois poder amaldiçoar a minha vida. Ali estão ainda listas de compras já feitas, um lenço de papel usado com transparências minhas, um par de meias de desporto, uma pen, dois totós para o cabelo, uma gilete e a caixinha do fio dental. Nada de canetas.
Passo então para o depósito junto à manete das mudanças, onde jaz, ferido de recente morte, o papel de um chocolate que ainda me está entalado na garganta; bilhetes de parquímetro, perco-lhes a conta, porque não os conto; recibos de gasolina, já queimada pelos ares há tanto tempo, que não me lembro em que lugares; três auriculares, um sem fio, dois com fio, um deles de fio rasgado, interrompido, mas que não deitei fora porque sofro de incapacidades várias para o fazer; dois cabos de carregador, um deles sem serventia para os meus telemóveis, talvez tenha servido em tempos para outro que já não uso; um cabo USB, do qual desconheço a razão para viajar constantemente comigo; dois carrinhos, miniaturas do meu; uma caixinha de fio dental, denominador comum dos meus locais de tralha.
Soterrada, uma caneta, que escreve a azul.
Não escrevi o post.
Sou uma acumuladora. De vidinha.
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