04/08/2022

Radio gaga

Chego à sala de espera — que é mais um salão, dadas as suas medidas, talvez uns cem quadrados, dava para um belo bailarico, não fora as circunstâncias — e apercebo-me de que está bastante compostinha. Faço aquela matemática básica, um terço são lugares vagos, metade das gentes podem ser acompanhantes. Mesmo assim, imagino que vou ali passar o resto do dia e uma parte da noite e pergunto à do balcão se está muito demorado, ao que ela me responde a frase que está ex aequo com “só há o que está exposto”, “esse artigo foi descontinuado” e “isso é com a minha colega”: “A senhora tem que esperar a sua vez”, logo a mim, que adoro retóricas. “Claramente, isso não responde à minha pergunta”, “Mas é que eu não sei”, “Acabou a conversa”, e ficámos por aqui. Pena que também só haja o que está exposto nestes lugares, que não descontinuem estas azedas que estão sempre em modo de frete no seu local de trabalho e, efectivamente, tudo deve ser assunto para a colega, que não está à vista porque nem sequer existe.

A Radioterapia é detestável desde que entro até que saio. O pessoal não tem a noção que trata exclusivamente com pessoas com cancro, como acontece na Oncologia. Já lá dentro, em vez de enfermeiras e assistentes, existem técnicas, com a simpatia de um empregado de mesa. Zero empatia, zero humanidade, é um corre-corre de despe, deita, posiciona milimetricamente para que os raios que partam a possibilidade de o cancro voltar funcionem, luzes e máquinas a toda a nossa volta, uma placa redonda, uma placa rectangular, uma outra que parece um ovo de avestruz, as técnicas saem da sala e uma delas transforma-se numa voz, “Dóna Maria, suspenda a respiração”, “Agora tranque”, e a p. da centrifugadora a fazer girar as placas à minha volta até à asfixia, “ai, que morro da cura”, parece que estou numa daquelas competições absurdas que fazíamos em miúdos, de atravessar a piscina debaixo de água até ouvirmos um gemido que nos saía da garganta, a mim só me apetece fugir dali a bater o dente e correr para os braços da minha mãe, que me espera com uma toalha seca e macia, como macio era o abraço dela.