24/07/2020

Derrapagens

Vou na segunda máquina de costura desde que iniciei o meu pequeno negócio - tanto em volume de vendas, como em número de empregados (unipessoal, euzinha, capacho para toda a sola) - e, enfim, tamanho das peças que produzo. A primeira que tive não deve contar para o prejuízo, porque não foi um investimento da firma, era coisa que já possuía, e que ainda me ajudou a fazer todos os cortinados do lar e fatos de Carnaval para as minhas crianças. A segunda, já a comprei de propósito a um senhor que não a queria, uma vez que não lhe cosia os instrumentos musicais que produz, já não me lembro se pandeiretas ou gaitas de foles (ou seriam de beiços? Olhem, gaitas).
Porém, esta aqui também deixou de coser, que é basicamente para o que serve. Fui então pô-la a arranjar nas mãos de uma pessoa em quem confio rigorosamente zero, vírgula, zero, um. Mas é a cena dos monopólios, não há mais ninguém que arranje máquinas de costura no mundo inteiro, e, mesmo que houvesse, neste momento não posso propriamente meter o mono debaixo do braço e ir à China mandar arranjá-lo. Quer dizer, também não pesquisei, e tinha a meu desfavor a pressa, a tal inimiga da perfeição. 
O homem começou por me dizer que ia uma semana de férias, que regressava no dia 20, mas também não digo à senhora que lhe tenho a máquina pronta logo a 20 [pessoas que voltam cansadas de férias, cá beijinho mascarado], mas a 21 ou, no limite, a 22, está pronta. 
Hoje é dia 24.
Lá se foi o limite.
Notícias da minha máquina (telefonemas meus, que Senhor Doutor da Maquinaria Leve nem se digna): primeiro, foi uma porca que estava de tal maneira retorcida, que nem sei como é que ela [a máquina, julgo] não rebentou. Logo a mim, que tenho fobia de explosões desde que, ainda menina e moça, foi pelos ares (literalmente) um fogão em casa dos meus pais. (Ou também pode ser derivados à quantidade de balões de hélio que se me rebentaram aos ouvidos, era ainda igualmente petiza.) Porca retorcida, até me pareceu, se não um elogio, pelo menos uma ofensa. Agora, a última desculpa para a derrapagem do prazo (conceito que havia de ser elevado a património nacional), é a de que o carreto não roda, de maneira que o tecido não progride. Porca retorcida e passadinha dos carretos, eis o diagnóstico das maleitas da minha Belinda, a Escrava do Silêncio. 
Em suma, enquanto o homem derrapa no prazo, eu acumulo derrapagens nas encomendas que vou tendo. E trambolhões.
(Isto é como os mecânicos de automóveis, não é? Falam-nos de bielas e dos caprichos do alternador e nós papamos a papinha toda, de carinha alegre e toma lá euros às centenas, que de onde estes vieram há mais.)



Sem comentários:

Enviar um comentário