17/03/2018

Eu tenho problemas com médicos # 29

Agora supõe que vais para que te tirem um RX à boca. Meteste na cabeça — ainda não literalmente — que vais colocar um aparelho dentário invisível. (Daqueles que, tal como n' "O Rei vai nu", só os espertos conseguem ver. Vai na volta e nem eu própria.) Não que tenhas a dentadura a gritar por endireita (caso contrário, já há várias décadas os teus pais se teriam encarregado desse assunto), mas porque queres. E é a velha história de a-menina-quer, enfim, apesar de ainda andares nas démarches do orçamento. Com toda a probabilidade, vem de lá uma surpresa financeira que te fará pôr a cabeça no lugar, e os dentes aonde estão actualmente.
O dentista dos olhos bonitos é que receitou o RX, para poder fazer O Estudo. Antes disso, sujeitou-me a todas as sevícias de que se lembrou naquele dia: meteu-me na boca uma papa amarela e gosmenta, parecida com plasticina, que disse ele que sabia a baunilha. (Eu, pessoalmente, prefiro pistachio ou chocolate, mas achei chato dizer.) E mandou a pessoa morder aquilo, juntamente com duas espátulas de metal, vá lá que uma de cada vez. Quando já havia dejectos de plasticina amarela por todo o ser humano, desde os ombros até aos cabelos, mandou a assistente colocar-me um babete e a mim mandou-me lavar a boca lá naquela torneira que os dentistas têm. A mim tudo me anestesia (até mesmo um naco de plasticina), pelo que bochechei aquilo pelas paredes do lavatório afora, o que deve ter poupado alguma coisa ao trabalho da senhora das limpezas, na madrugada seguinte. De seguida, meteu-me uma coisa plástica nos dentes para manter a boca aberta e foi buscar uma máquina fotográfica daquelas potentíssimas, com uma lente gigante, e desatou a fotografar-me a boca naquele preparo. Ora, eu estava deitada, por isso temi que a objectiva se soltasse e me caísse nos dentes. Mas, afinal, não. Quando, finalmente, me deu autorização para me levantar dali, disse que me ia tirar uns quantos retratos (de frente, séria; de frente, a sorrir; e de lado, a olhar por cima do ombro). Tirei o babete e cedi. Dei o meu melhor, embora parecesse mesmo que estava na Judiciária, apesar de ele não ter querido fotografar-me de perfil. Ainda bem, porque nunca sei qual é o meu melhor. (São os dois tão bons, cada um à sua maneira.) 
Fui fazer o RX e aparece-me o técnico, personagem saída directamente de um livro de Charles Dickens: praticamente calvo, ainda com algum cabelo no topo, a ver-se a cabeça à transparência, mas de cabelo comprido. 


Homenzinho sisudo, cara de carnes chupadas, olhos sinistros. Pôs-me a cabeça entre umas traves, a boca a morder uma placa de plástico, e disse-me para fazer um sorriso forçado. Pensei que fosse uma brincadeira, porque um sorriso forçado já eu estava a fazer. De pânico, é certo, mas um sorriso na mesma. Afinal, era para mostrar os dentes para a máquina. Eu, por acaso, tenho bastante medo daquele momento em que as placas começam a andar à volta da nossa cabeça, porque sempre achei que um dia uma delas me vai decapitar, não sei porquê. Mas acho que não aconteceu nada disso, e depois fui para casa.

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