05/04/2015

É minha! É minha! É minha!

CARDEAL RUFO  
Também vossa Eminência amou?  

CARDEAL GONZAGA 
Também! Também!
Pode-se lá viver sem ter amado alguém!
Sem sentir dentro d’alma - ah, podê-la sentir! -
Uma saudade em flor, a chorar e a rir!
Se amei! Se amei! 

Eu tinha uns quinze anos, apenas.
Ela, treze. Um amor de crianças pequenas,
Pombas brancas revoando ao abrir da manhã...
Era minha priminha. Era quase uma irmã.
Bonita não seria... Ah, não... Talvez não fosse.
Mas que profundo olhar e que expressão tão doce!
Chamava-lhe eu, a rir, a minha mulherzinha...
Nós brincávamos tanto! Eu sentia-a tão minha!
Toda a gente dizia em pleno povoado:
“Não há noiva melhor para o senhor morgado,
Nem em capela antiga há santa mais santinha...”
E eu rezava, baixinho: “É minha! É minha! É minha”
Quanta vez, quanta vez, cansados de brincar,
Ficávamos a olhar um para o outro, a olhar,
Todos cheios de Sol, ofegantes ainda... 


Numa grande expressão de dor: 
Era feia, talvez, mas Deus achou-a linda...
E, uma noite, a minha alma, a minha luz, morreu! 

Numa revolta angustiosa: 
Deus, se ma quis tirar, p’ra  que foi que ma deu?
Para quê? Para quê? 


Ai! Pois não via, Deus, que eu tinha coração! 

Não via! Ah!, não via! Não via!
Julgou que de um amor outro amor refloria,
E matou-me... E matou-me! 


Afinal,
Foi esse anjo, ao morrer, que me fez cardeal!
E eu hoje sirvo a Deus, 

a Deus, que ma levou...  

(A Ceia dos Cardeais - Júlio Dantas - 1902) 

2 comentários:

  1. Passei para deixar um doce beijinho de Páscoa, amiga LP :)

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    1. Um beijinho também para ti, minha querida, com bear hug :*

      (Vai ver os cudilhos em que te meti agora :))

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