02/06/2014

Que bem que se está no desemprego

Uma pessoa vai ao supermercado, porque pode deixar de comprar livros e assumir-se analfabeta mental, mas lá deixar de comer sem ser por se sentir gorda é que não. Como SEMPRE, assume à entrada que não vai comprar muitas coisas, pelo que vai buscar um cesto com rodas. Como SEMPRE, não transporta consigo dinheiro nenhum, o que irá, como veremos, contribuir para a desgraça que se segue.

O cesto com rodas enche, enche, mas não transborda, o que me mantém a ilusão de que nem vai ali muita coisa, pese embora o peso (passando o pleonasmo) que já carrego, responsável por um agradável chiar das rodinhas, tendo como consequência o virar de todas as cabeças à minha passagem. Mas eu ainda sou do tempo do Limara, aquele desodorizante, e permito-me a ilusão de que é o meu bon air que provoca tamanho tumulto.

Já nem vou para as caixas de pagamento rápido, porque me apercebo, finalmente, que a coisa é capaz de ser para demorar. E porque a gravação, que me aparece constantemente, "Por favor aguarde pelo assistente" me põe extremamente nervosa e eu sou hipertensa. É medirem-me a tensão arterial nessas alturas e chamarem os rapazes do 112 logo a seguir, que eu vou de bom grado, e eles carregam-me como o diabo. Na caixa desabafo com a funcionária que me vou arrepender amargamente de não ter tirado um carrinho da calha. Ela oferece-se para ensacar as compras enquanto eu vou buscá-lo, mas esclareço-a que não tenho moeda. Oferece-se então para me trocar "a nota". Confesso-lhe toda a verdade: não tenho "a nota". Devo estar na caixa da terceira idade, tamanha é a boa vontade da pessoa. Ou com ar de quem vai sofrer. Ambas.

Pego nos 8 sacos - 4 em cada braço - e marcho a passos de gueixa para o carro. São os piores 100 metros da minha vida, com os dois ombros a luxarem-se dos encaixes e o cotovelo esquerdo a lembrar-me a existência daquele gesso, aos 14 anos, que foi o sucessaço no liceu. Maldita educação física. Maldito bock, maldita eu que não fiz aquecimento por me ter atrasado para a aula. Meto tudo no carro, minha querida mula, que me vai carregar os pesos. Pico a mula, quer dizer, ligo o piloto automático, já que não sinto os membros (acho que conduzi como o Toy, com os joelhos), e chego à porta do prédio. Ela está na varanda a estender roupa e vê-me perfeitamente.

Subo, abro a porta, ela avista-me e ri-se. Ri-se, apenas. Não larga as putas das molas para me ajudar a carregar o fardo que, a esta altura, já me arrancou todas as 17 articulações de cada braço. Ponho-lhe as putas das compras aos pés e suspiro: "Arrume", a ver se ela tira aquele sorriso da minha frente. Vou buscar a balança e peso o pesadelo (pronto, também passo este): 16 quilos e 300 gramas. Mais de um quarto do meu peso total. E a vaca riu-se.

Só quero perceber se ando a exagerar nos verdes, apesar de não serem só para mim: os cabrões dos brócolos pesam 1,140 kg, os paneleiros dos pepinos 636 gr e a puta da alface 806 gr. Dois quilos, quinhentos e oitenta e dois gramas, só na puta da relva.

Não era de eu perder peso? Em vez disso, foram dois dias impossibilitada do uso dos braços. E várias nódoas negras nas pernas, derivados dos bicos dos sacos e assim. Portanto, só coisas boas nisto de comer tanto legume.

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