Tenho sono. Durmo como uma criança toda a noite, mas basta que me forneçam algo de muito aborrecido ou interessante, que preciso de dormir como se tivesse muita vontade de fazer chichi. É que nem sou esquisita, não necessito de um colchão galáctico nem de almofada ergonómica, nem de silêncio, nem de luz rebatida. Até um chão de pedra fria me serve. Quero dormir.
Claro que ando a pastilhar como gente grande. Só para a tola, tenho duas terapeutas. Ontem estive com as duas, a primeira reprovou simpaticamente uma atitude/ decisão minha e só não me mandou lá voltar para a semana porque vai de férias. A segunda aplaudiu a mesmíssima reacção que tive e mandou-me lá voltar daqui a dois meses. Desconheço os critérios. Procurei fazer a mesma cara, usar o mesmo timbre, a luz que me iluminava era praticamente a mesma. No entanto, as sentenças de uma e da outra foram diametralmente opostas. Bem me queria parecer que um dia ia pirar de vez, só nunca pensei que fosse tão jovem (chiu, já disse) nem por este motivo. (Até parece que há uma lista taxativa de razões. Se é para emaluqueceres, emaluqueces e prontos.)
Hoje sou acompanhante de cirurgiado. Pedi para ficar à espera no quarto, mas negaram-me a excelente ideia. Ao invés, vou ficar sentada numa poltrona de dois lugares semi-(des)confortável, mas não quero abandoná-la, não vá alguém tomar-ma: tenho uma ficha mesmo ao lado para carregar o telemóvel — cuja bateria consumo como tremoços, à custa de um jogo — e também a casa-de-banho. De toda a maneira, nem que se me arrebente a bexiga, não tenciono arredar daqui. Dói-me um bocado o final das costas, mas vou aguentar. Tenho um espírito de sacrifício inigualável, creio mesmo que só não serei canonizada porque já matei um gato e um melro com o carro, inadvertidamente.
Quem olhar para mim neste momento, nunca dirá que aqui se encontra uma aflitinha por satisfazer quase todas as necessidades fisiológicas: vestidinho que cai sempre bem (também não engordei nada, apesar da criminosa doçaria que tenho consumido. Ou os nossos espelhos mentem-nos, “És tu, minha rainha”), sandalinha de salto alto, que me põe vertiginosamente (porque tenho vertigens) alta e me faz esquecer que, afinal, não tenho 1,68 metros, mas sim 1,65. Não encolhi, acontece que aí pelos vinte anos bati a pestana ao funcionário do centro de identificação, “Não me desconte os saltos” e ele ofereceu-me três centímetros, para além dos ditos, e aos seguintes foi só dizer: “Ponha lá a mesma altura, eu não mirrei entretanto”. Eis a verdade.
Parece-me que vou deitar-me na poltrona, como aqueles passageiros das low cost e dos aeroportos com vendavais.