Não peço caridades, nem dedicações exacerbadas, também já para aqui disse que não pretendo ouvir elogios à minha não beleza actual, acho que até os incentivos de "força" já me irritam, como se eu estivesse em trabalho de parto constante, ou com prisão de ventre. A mim basta-me, como sempre me bastou, que me tratem bem, porque sou um ser reactivo, e oh, só consigo tratar bem quem me trata bem, olha lá a mentalidade do bicho-da-conta.
Mas peço, encarecidamente, aqui (semi) publicamente, que não me sobrecarreguem com os vossos calos e as vossas águas passadas, quando estiveram tão mal que não conseguem esquecer-se, porque, convenhamos, neste momento sinto que estou a defecar-me (não literalmente, por enquanto) para o vosso assunto.
A conselho de quem agora (tenta, pelo menos) me orienta os neurónios sobrevivos, que defende que não devo "concentrar-me na doença, para não cair numa depressão" (não sei se ria), encetei uma saída semanal com uma amiga diferente de cada vez, quer para lanchar, quer para almoçar. Nada de copos e folia, portanto. Não se percebe.
Tenho cumprido com o esquema, embora esteja a sair-me do bolso, já que sou quase sempre eu que convido e, quando não, uma vez que mando vir sempre o prato mais caro (não do estabelecimento, mas comparativamente com o da minha companhia), lá alanco com a despesa sem pestanejar. Pelo bem que me sabe, pela saúde dos meus filhos, não por esta ordem, dou-o por bem gasto.
Mas.
A semana passada fui "beber café" com uma amiga daquelas que nos puxam para baixo, sabem? Acho que toda a gente tem, pelo menos, uma. Aquela porra de uma aura negativa, a pessoa com quem tens uma espécie de paralisia de soltar uma gargalhada. A amiga com quem nunca deves falar de bâtons — porque desconhece o conceito —, mas podes falar de pus à vontade. Já ia à retranca, a pôr uma hora limite para o encontro, porque intuía que não ia ser um momento feliz, e eu preciso de momentos felizes agora, que quereis? Estabeleci mentalmente a duração de uma hora, apesar de achar que era tempo a mais. Então, acabou sendo uma hora e meia, finda a qual eu disse que já não aguentava mais tinha que ir ao supermercado comprar coisas. Porque foram noventa minutos — noventa minutos — a ouvir as queixas dela e a descrição de uma doença que teve recentemente, que a ia matando. Ora, vamos lá a ver: é verdade que ela esteve muito mal, knocking on heaven's (or hell) door. Esteve. Já è finito. E repito até já não poderem ler-me: eu não sou psicóloga, ninguém me paga para isto, não tenho que levar secas das doenças de cada um, ainda mais agora. Se a ideia é não falarem da minha doença, óptimo, não falem, que eu também não falo. Dissertem sobre flores, cágados, gente que anda à chapada. Façam teses de doutoramento sobre o ovo e a galinha, e despejem-mas para cima. Mas poupem-me aos vossos calos e borbulhas, porque eu me estou, realmente, soberanamente, olimpicamente, cagando para isso.
Posso ser — ou estar transformada — num poço sem fundo de egoísmo e cavalada. Mas tenho a meu favor (ou contra mim) o facto de ter recebido uma educação em que as pessoas não explicam o que se passa com elas em termos de saúde. Como na anedota, em que o inglês pergunta "How are you?", o outro inglês responde "Fine, thank you", mas se o mesmo inglês perguntar a um português "Como é que estás?", leva com um enxorrilho de sintomas, suspeitas, doenças, auto-diagnósticos, idas ao hospital, incompetência dos médicos, prognósticos e dramas para os quais ninguém tem cu.
E continuo a repetir que coitadas das pessoas, estão muito sozinhas, e isso justifica tudo. Não, não justifica. Eu também sou uma pessoa, de alguma maneira também estou muito sozinha, e não massacro ninguém com o que me dói. Portanto, agradeço que me deslarguem dentro da minha bolha e, se não têm nada para me fazer rir nem que seja um segundo, eclipsem-se.
(Ainda a raiva, ainda não a aceitação.)