Onze da noite, tocam-me à campainha e vou atender. Do outro lado da porta, visiono, através do óculo, a vizinha de cima, aflitinha.
(Por cima mora um casal sem filhos, com idades próximas da minha. Ele é um desportista ferrenho, joga ténis e tem muita vaidade na sua aparência. [No entanto, enche-me a varanda de beatas.] Quando vem de jogar, raquete na mão e calções curtos e vincados, todo ele é salamaleques e meneios, primorosamente educado, dando passagem, partilhando o elevador, desejando boa tarde com precisão cirúrgica. Sempre que o vejo passar naquele preparo, atraso o passo e, subitamente, interesso-me pelas árvores, pelos cães, por qualquer coisa no tablier. Ela é uma figura apagada, há-de ter sido bonita, de olhos claros, magra e grisalha, descuidada e triste. Uma vez por outra, ouvem-se gritos lá em cima. Só ele grita. Também se ouvem saltos altos a bater no soalho, mas ela não usa saltos. Há qualquer coisa de Norman Bates dentro da minha cabeça — ou em cima? — que me inquieta um niquinho.)
Abro a porta e diz-me ela que tem um gatinho à porta de casa, que não sabe de quem é, que já lhe deu de comer, mas ele não se cala e andam, ela e o marido, desesperados a bater a todas as portas do prédio (que são nada menos do que trinta e sete), a ver se encontram o dono.
Eu só olho para trás, chamo Molly!, a tonta não me aparece e lá vou escadas acima, O gato é uma gata. É branca?; Sim, branquinha; Mas tem malhas castanhas?; Sim, manchinhas. [Tudo em inhos, pequenininhos, tanto sufixinho para uma gorda daquelas que parece uma leoa atravessada de pantera branca. Vá, eu não disse isto.]
E lá vou dar com a fugitiva, que me foge casa adentro do Norman vizinho, e eu atrás dela, Bates Motel adentro. Aparentemente, ele já tem montada uma comissão de inquérito com staff e comités de investigação: está ao telemóvel, ouço-o dizer Ah, bom, parece que encontrámos o dono [mas esta gente tem algum problema com os géneros?] do gato [aloha!], vou desligar para poder falar com o dono [hey, man, subsiste alguma dúvida para além da minha saia?], já te ligo.
Pego na fugitiva, entre o envergonhada quando ouço Ela está aqui há, pelo menos, meia-hora (e faço mentalmente as contas para hora e meia), o aliviada por ela estar bem, o ciumenta por ela estar tão bem e o frustrada porque ela é uma peste e bem podia ir viver para outro lar, que isto de ter arranhões novos todas as semanas (e já foi todos os dias) também enfraquece o sistema imunitário (e o amor). Era a brincar, esta última. Nós odiamo-nos, mas eu encho-a de beijos de cada vez que ela não está a ferrar-me o dente.
Estranho, foi os meus pais em Macau, a viverem num 17º andar, encontrarem um gato no parapeito da janela. Verdade!!
ResponderEliminarSe fosse na Inglaterra, talvez fosse aquela cena de raining cats and dogs :)
EliminarTinha caído do 23º e aterrou no aparelho de ar condicionado. Num prédio cheio de chineses foi difícil encontrarem o dono mas conseguiram.
EliminarAntes de ser entregue, a gata dos meus pais, chinesa, cheia de personalidade, ia-lhe dando uma tareia.
São sete vidas, queimou uma.
EliminarFazia-lhe um kung fu que era um regalo :)
Estranhos a sério são os teus vizinhos... a gata estava apenas a ser isso mesmo, uma gata!
ResponderEliminarOu eu, que vejo filmes por todo o lado. Mas os gritos não são da minha cabeça...
EliminarOs gatos são todos estranhos :)
Estranho,estranho é ires á tua varanda e estar lá uma tartaruga,grande por sinal e fazeres um filme gigantesco que envolvia águias e afins.
ResponderEliminarBeijinhos Azulinha
Miss curvas
A pobre ninja lançada das garras? Ou, em alternativa, terá chegado pé ante pé, mas de onde?
EliminarBeijinhos, Miss Curvas :)
Pé ante pé e depois a voar da janela da vizinha de cima ahahah Ainda hoje me faz confusão como durante uma semana não deram pela falta da criatura( segundo eles costumava andar solta pela casa e era normal ficar escondida ) eu é que durante esse tempo andei meio à toa ;)
ResponderEliminarAté hibernava de pasmaceira, coitadinha :)
EliminarQuem sabe a carapaça não tem poderes de pára-quedas :)
Gatitos são mesmo assim...não percebo o stress.
ResponderEliminarEles não percebem nada de gatos, é isso.
Eliminar(Tinham posto uma taça com leite e outra com pão partido em bocadinhos minúsculos. Mas a intenção foi tão boa que eu obviamente não disse nada.)
Os vizinhos mais "esticadinhos" (esta é boa) na rua, depois em casa por vezes a coisa dá-se de outra forma.
ResponderEliminarUm exemplo, o meu vizinho de cima, um tipo impec. assim à primeira vista ou quando me cruzo com ele, parece que não parte um prato, daquele género de pessoas que parecem incapazes de elevar o tom.
Contudo, não raras foram as vezes em que ouvi palavrões lá por casa.
Nada de stresses, que aqui é tudo pacífico mas parece que o tipo em casa afinal não é assim tão educadinho, ora Boa tarde sim Senhor, pois sim...
E a mulher do Sr. é igual, mania do nariz empinado mas em casa depois lá se vai a elegância!
Olha, mas eu quero lá saber dos vizinhos.
Enfim... é por estas e por outras que eu detesto prédios!
Gatinhos são uns fofos, alguns traiçoeiros mas igualmente amorosos. :)
São o mesmo tipo de pessoas das mães exageradamente carinhosas na rua, e dos pais porreiros, que correm e pulam, e levam às cavalitas. Às vezes, há que dar o desconto, porque "o muito exagerado é o contrário mal disfarçado".
EliminarTambém eu, quero lá saber. Enfim, se suspeitar que ele bate nela, tem a polícia à porta no mesmo dia.
Mas as moradias também não têm só vantagens, e grande parte tem também vizinhos... :)
Esta minha é o diabo em forma de gata :)