29/12/2023

Não somos nada todos iguais

Decorei o caminho para lá chegar. Ou melhor, escrevi-o: ao fundo do corredor grande, viro à direita e depois, na primeira à direita, entro no elevador 20 ou 21. Na realidade, subo pelas escadas um piso, visto que estou no 1 e quero ir para o 2; viro para onde diz "Imagiologia", atravesso o serviço, constituído por um balcão de atendimento, gente sentada à espera, cadeiras de rodas e duas ou três macas, tudo ocupado; ao fundo de um corredor enorme — que nos dá a sensação de termos saído do hospital, pois não se vê uma alma viva ou penada —, existe uma porta que tem como letreiro "Medicina Física e de Reabilitação". 

Das vezes anteriores que o fiz, o caminho era outro, aquela área do hospital estava em obras, eu própria também. A médica que me assiste é bastante pontual, as consultas são um flash, e só demoram uma eternidade (para aí uns quinze minutos), por ela ser uma faladora patológica e mais de metade do tempo que lá estou falamos de assuntos triviais, tudo menos a manutenção do meu braço da grossura do outro. Até posso engordar — o que já fiz sem me receitarem nesse sentido —, até posso emagrecer — Verão 2024, aguarda-me. Vou estar como um cão faminto, rafeiro, só pêlo e osso, mas sem exageros. Todos os anos digo que vou perder peso na entrada do Ano Novo, mas depois esqueço-me completamente e continuo esta sereia chichuda. Efectivamente, nada disso me interessa. Quero ter saúde e nunca mais ter que rapar o meu cabelo. 

Enquanto espero, passam por mim dois rapazes com a idade do meu filho, um de cada vez. O primeiro está a experimentar a prótese nova, toda a tíbia e o pé. O cabelo tem metade da quantidade da de um bebé recém-nascido, mas é uma pluma com a mesma espessura. Vai amparado por um andarilho ortopédico e uma enfermeira, sem um ai. Desaparecem por uma porta adentro. O segundo tem cabelo, a prótese é para a mesma zona do corpo, e reclama do peso que ela tem, das dificuldades que vai ter a habituar-se àquilo, da chatice, do horror. Imagino que o primeiro rapaz teve cancro no osso e foi necessário amputar, no caminho para a cura, e o segundo deve ter tido um acidente que lhe levou aquela mesma parte do corpo e o prejudicou enormemente, dando lugar a uma incapacidade que não lhe trará nada de bom. 

Em todos os serviços do hospital, existe a valência oncológica — porque é preciso dermatologista, para tratar das unhas e das infecções na boca, porque é preciso ortopedista, pois os ossos começaram a ceder, porque é preciso cardiologista, visto que o coração ameaça saltar pela boca, porque é preciso psiquiatra, já que a cabeça estoirou — mas, pelo menos e principalmente na doença, se constata facilmente que não: não somos todos iguais. Existe um mundo que ficou para trás e uma multidão de fantasmas que há que enfrentar e derrotar, que, para uns, são mais e maiores, para outros são poucos ou quase nenhum e basta um dedo para os aniquilar. 

Eu, claro, sou um mix.