24/04/2023

Fim da linha

Fui ali para tomar uma injecção demorada, ironia desta doença, os tratamentos destroem partes do corpo, a mim calharam-me os ossos e sei lá o que mais. Pedi o lanchinho do costume, se há coisa boa que eu levo disto tudo são os lanches dos hospitais.

À minha frente estavam eles, ambos aí pelos trinta, ela deitada, cabelo ondulado pela almofada afora, mas uma fita a cobrir a raiz, nada de pestanas, nada de sobrancelhas, e a cor, aquela cor que só as velas das igrejas têm, as velas dos velórios. Ouvi dizer que ia ficar internada, fim da linha, isso não ouvi. O olhar dele mergulhava no dela, sorrindo muito, o dela distante posto no dele, “adeus”, e o dele “não”, as mãos tocando-se, entrelaçando-se como bailarinos numa dança eterna, nem um aperto, nem um desespero, “adeus, é hoje que vou”, “não vais, eu não deixo”, o sorriso dele e a expressão inexpressiva dela.

Saí dali doente e cheia de saúde.