04/09/2022

Os meus becos

Então, acabo a radioterapia na próxima quinta-feira. Comentei o facto com uma desvairada do ginásio, que só conheço de lá, e que me esbugalhou os olhos e afirmou, peremptória: “Na sexta-feira trazes uma garrafa de champanhe”. Perante a minha hesitação, “Não gostas de champanhe?”, eu “Heh, neste momento não gosto de quase nada.”, “Então, tinto. Gostas de tinto?” [Não sei que parte de “nada” é que ela não percebeu.] “Dá-me sono. Imediatamente. Tipo coma. Uma vez adormeci a meio de uma conversa com a minha cunhada.” “E branco, gostas?”, “Sim, mas tem que estar fresco. Também gosto de Rosé.” Ela, a torcer o nariz e a processar a ideia, cinco enormes segundos: “Gostas de Rosé?”. “Gosto. Mas tem que estar fresco.” E eu a dar-lhe, no fundo a arranjar uma desculpa para me livrar da carraça. O ginásio não vai guardar uma garrafa no frigorífico dos funcionários porque há uma borracholas que quer comemorar o fim dos tratamentos de uma desgraçadinha mal agradecida. Ela outra vez com uma paragem da boneca, os olhos escancarados e o sorriso congelado no seu expoente máximo. Procurei demovê-la: “Não acho muito boa ideia, repara: antes da aula, vamos para lá enjoar”. [Poupei-a à vez em que, calor assassino, tempo de sobra e muita gula por um prato de tremoços, emborquei uma cerveja antes da aula e ainda hoje desconheço como é que não expeli tudo cá para fora — tremoços incluídos — a meio de uma pirueta.] “Depois da aula, pior ainda: a noite já caiu, não vamos ficar as duas no meio da rua de copo na mão. E preciso de conduzir em segurança para casa.” Ela ainda argumentou que “o professor podia juntar-se a nós”, mas isto porque ela tem um crush por ele, que eu, lamento, não tenho.

Antes da aula, tinha-me perguntado como é que eu estou psicologicamente. “Acredita que, desde o início, ainda não deitei uma única lágrima”. [Não contam duas chatices que tive entretanto e aproveitei para purgar umas quantas a mais que tinha cá engasgadas.] “Mas tens que deitar. E vais deitar. E vai ser comigo que vais deitá-las.”

Eu não quero beber com ela. Eu não quero chorar com ela.