23/03/2021

Lá venho eu armar-me em boa

Lugar especial no lado mais ácido do meu coração para os ciclistas. E isto nem é como automobilista, que isso, só ainda não passei por cima de um - de modo completamente acidental, um que me surgiu pela frente do veículo, noite cerrada, porque - oh - havia passado um vermelho, isto sem reflectores de espécie nenhuma, e eu que instalasse uma bola de cristal em Rosinha e adivinhasse que Mr. Lance ia lançado ali, àquela hora - porque a Deus Nosso Senhor não lhe apeteceu naquele momento. (Suspeito que os indivíduos que, mal encaixam o selim lá na peideira, ficam automática e imediatamente imbuídos de uma imortalidade qualquer, pois ele é cruzamentos, ele é contra-mão, ele é rotundas, ele é sentidos proibidos, tudo a eito, sem uma hesitação, sem um "Olhe, vou passar", sem um esbracejar, um espernear, uma campainha, nada, é vê-los atentar contra a própria vida - e o nosso músculo cardíaco - como se a estrada, o passeio, a ciclovia, a relva, o cocó dos cães, o mundo! fosse só deles.)

Hoje venho protestar contra os ciclistas da ciclovia. E, por ciclistas, entenda-se tudo o que mexe a raba em cima de duas rodas, independentemente de ir artilhado com a farda toda - óculos, capacete, fatinho, meias, sapatinhos e mais não sei quantas mariquices -, ou apenas com aquele fato de treino, quiçá com que já dormiu algumas noites. 

Vamos lá a ver: eu sou suspeita para falar, e já devia ter começado por aí: uso, mais ou menos, a pista quando vou correr. Ando, assim, aos ziguezagues, pista-estrada-pista-passeio, pareço uma anaconda. E tudo porquê? Porque, de minuto a minuto, surge um dono-de-toda-a-pista, alardeando a sua propriedade, apitando com a buzininha, pedindo cólicença, ou nada dizendo, mas utilizando toda uma linguagem corporal assim parecida com a que os espantalhos usam para afastar os corvos. E aqui a corva, que não tem onde praticar o seu jogging (assim como não tem toda e qualquer pessoa, uma vez que a cidade está feita para essas balofas que vão dar ao pedal extremamente contrariadas de não estarem a enfardar bolachas na chaise longue e, por isso também, ficam supinamente aborrecidas quando vêem alguém a correr na p. da pista que é delas), tem que se encolher para a estrada, para o passeio, qualquer dia para as nuvens, só para esta espécie de ditadorzinhos da ciclovia passar.

Anteontem, por acaso, um ciclista exponencialmente ruivo, todo ele pestanas de cenoura, agradeceu o facto de eu ter atravessado na passadeira dos peões e ter logo guinado para o passeio, dando-lhe a via cicloveira toda para ele. Mas isto foi um num milhão. Por isso, arreganhei-lhe a taxa, em sinal de "de nada, olha agora".



2 comentários:

  1. ahahahah, adoro estas suas histórias, mais do que as histórias, a forma como as conta. Uma delícia.

    Boa tarde

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    1. Obrigada, noname, que simpatia :)
      Eu divirto-me tanto a escrever estas coisas. Como neste caso: no domingo passado, ia a correr e já ia a "escrever" este post.

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