01/06/2020

Cordões

Estava aqui a congeminar nestes números que nos apresentam lá do vírus, parece que Lisboa é agora o ponto negro do país, a zona de desconforto nacional pós-desconfinamento, ai Jesus que esta gentalha alfacinha nos vai estragar a média, o milagre português, o mistério do cu da Europa, os manientos da capital, que acham que só porque, o país começa e acaba ali, oh pá, metam-lhes mas é um cordão sanitário, para prender lá dentro essa corja de infectados e infectantes com a peste, vamos todos morreeeeeer!
Bom.
A região de Lisboa e Vale do Tejo de que tanto falam (mas depois confinam as notícias só relativamente à cidade de Lisboa) tem exactamente 35% da área total do continente, onde vivem três milhões e meio de pessoas. Têm surgido, nos últimos dias, cerca de 240 novos casos, ou seja, todos os dias 0,006% da população “lisboeta” adoece. Não quer dizer que vá morrer toda, calma. Também não nos dizem o número de recuperados relativamente à mesma área, porque isso interessa lá agora.
Vamos então esquecer que a região Norte continua com mais de o dobro dos mortos que tem a região de Lisboa e Vale do Tejo (791 contra 363); vamos também esquecer que o Porto esteve rés vés Campo de Ourique para ser sujeito a um cordão sanitário, o que só não aconteceu por razões políticas (que têm guiado, ora mais, ora menos, as decisões estratégicas dos nossos governantes quanto às medidas - que são de saúde pública! - a tomar a seguir); vamos esquecer bairrismos, pois que até, vejam bem, metade das minhas costelas são do Porto (a outra metade do Alentejo e só a coluna vertebral e pouco mais - designadamente o cordão umbilical - são de Lisboa). 
Proponho, em alternativa ao cordão sanitário à volta de Lisboa, um cordão humano: todos de mãos dadas, máscaras nas vias respiratórias, solitários porém solidários, unidos contra o invisível. Até me parece boa ideia. Pode ser que, assim, o resto do país olhe para Lisboa com mais bonomia [eu sabia que ia conseguir encafuar esta palavra no texto, nem que fosse a martelinhos]. Encordoados e amarrados uns aos outros é que não. Antes a forca do que tal força.








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