12/10/2016

Vendredi, ma belle, sont des mots qui vont très bien ensemble

Mandou-me um mail, num lettering muito rebuscado, qualquer coisa que tinha ido descobrir num site de fontes, mas que a obrigava a escrever tudo no word, depois fazer copy e logo a seguir paste, por ser o gmail muito limitado na variedade de formatos de letra, e isso agrilhoar um poucochinho a sua prodigiosa imaginação. E isto tudo vinha explicado no corpo do mail — ainda antes do texto propriamente dito —, corpo enorme e opulento de tão corpulento, letra Cherry Cream Soda, uma coisa muito gastronómica, a bold, tamanho 18 —, não porque veja mal, nem suspeite da qualidade dos meus olhos, mas porque, segundo confessou, é uma pessoa que enfatisa do alvorecer ao recolher —, desta vez azul, como prolongou na explicação, já que ouviu para ali dizer que é a minha cor do coração. Espero que ninguém lhe tenha dito a verdade-verdadinha, a má raça da mulher só gosta de azul, só vê a azul e, ainda por cima, sofre de um daltonismo selectivo, em que a cor que lhe custa mais distinguir de todas as outras, é, precisamente, o azul, vá-se lá perceber a doideira. Dizia no assunto do mail "URGENTE! Não apague! Não é SPAM! Não é vírus!", tão desabrido que nem o abri. Remetente: Vendredi Maria dos Três Anjos da Anunciação.
Logo a seguir, mandou-me um sms, a avisar que me tinha enviado um convite por via electrónica, e nem me deu tempo para voltar ao computador, a verificar o que diachos, pois que me tocaram os telemóveis todos ao mesmo tempo, donde concluo que terá tantos quantos eu tenho. Incapaz de me desmultiplicar em várias, tapei os ouvidos com as duas mãos, qual criança malcriada, cantarolei la-la-la-la-la-la, esperei que passasse a saraivada de toques e abri o mail, enquanto apitavam mensagens de voice mail nos dois, que são três, desgraçados — chico-smart e seu primo dual-chico. 
Linda, olá!
Disse-me Dona que 
- pá, posso tratar-te por tu? -
- OK. -
parece que eras menina, senhora
- já agora, uma ou outra? -
eras pessoa para me levar ao giná, fazer uma sessão conjunta, dando-me dicas para diminuir o tamanho das minhas nalgas.
- Só cá para nós, não há nenhum problema com os meus quartos traseiros -
- eu uso linguagem equestre -
- ou diz-se equina? -
mas ela acha, e até acho 
- desculpa lá repetir palavras na mesma frase, mas é que estou nervosa -
que me vai pôr a correr, e não é na passadeira, se eu não fizer qualquer coisa nesse sentido.
- do nalguedo, percebes? -
Quando queres combinar?
- se é que queres. -
Olha, eu tenho preferência por sextas-feiras.
Uma bem criada ao teu dispor, abraça-te com fervor e beija-te com algum amor,
Alucinada com aquele alucinogénio, cheia de pressa — que tenho sempre, pareço aquele coelho que me enerva —, respondi a correr (literalmente, com o meu laptop azul numa mão, teclando com a outra): Está bem.
Por isso é que fomos lá calhar na passada sexta-feira, mal a chafarica tinha aberto, e ainda os PTs estavam a besuntar-se de óleo Johnson's. Havíamos, após acesa troca de mensagens, combinado à porta, para que não nos perdêssemos uma da outra. Eu apenas sabia que ela é esguia, ela apenas sabia que eu sou extremamente idosa. Descreveu-se-me sumariamente como distraída, friorenta, organizada e radical. Nada baralhada, disse-lhe que sou magra uns dias, gorda nos outros, alta para uns, baixa para outros, mas que a cor dos meus olhos nunca muda, a não ser entre preto-alegria-Casal-Garcia e preto-tristeza-não-tem-fim. Cheguei antes da Vendredi distraída, e depois da Vendredi organizada, mas reconheci-a ao longe, mal vi surgir uma altíssima espadaúda e longilínea, esbaforindo-se e rebolando a única parte redonda de toda a sua imensa lonjura: os tais quartos lá de trás, duas astronómicas bolas de basquetebol, de um roliço de fazer rolar os olhos e não de enfado, que eu bem vi à passagem da figura. E aquilo não era caso para fazer exercícios que o aniquilassem, mas eu havia assumido um compromisso não sei com quem e havia que honrá-lo.
Começámos por onde eu comecei sempre, de há uns tempos para cá: a remar até Cacilhas, que é para aquecer, como quem trabalha. A doida deu-me cartas, pois alcançou a outra margem com um fulgor de dar desgosto, a mim, que não passei dos mil metros, ou seja, fiquei algures debaixo da Ponte, entre Lisboa e a outra banda. A seguir, fomos à elíptica, a assassina de autoestimas, recomendei-lhe a inclinação 10 e força 6, que são os meus máximos, mas a magana achou pouco, passou para a inclinação 15, força 12, e foi vê-la galgar aqueles pedais como se tivesse feito aquilo toda a vida. Passámos para as abdutoras, pensando eu que aqueles 45 quilos de força de que os meus joelhos são capazes para se juntarem um ao outro em agonia de esforços, a iriam impressionar. Nada. Impávida, serena e suada, sentou-se na cadeira não eléctrica, espetou o espigão nos 70 quilos, fez quinze repetições, depois aumentou para 83, mais quinze, e levantou-se, sem um ai.
No momento em que me perguntou, airosa,
Vamos fazer uma aula de cycling juntas, ou já não tens pica? 
E, diante da minha hesitação, se justificou
À sexta-feira, estou sempre assim. Depois passa-me... 
Afiambrei-lhe um kick naquele que a trouxera ali — logo eu, que não sou de violências —, e mandei-a cagar à mata.
A magra. A top model.

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