29/11/2015

Je n'ai pas vingt ans

Na mesa ao lado, duas mulheres, francesas — uma na casa dos quarenta; a outra na mansão dos sessenta, mas bem "enxuta", não fora estarem ambas bem encharcadas garrafa adentro de um tinto que ainda haveria de lhes acompanhar a massa, a pizza e as respectivas bebedeiras. Não eram, com certeza, mãe e filha, porque demasiado camaradas, e mãe e filha nunca partilham estados etílicos, gargalhadas despudoradas, conversa de mecs uns tons acima do capaz de não ecoar no campo de audição da sala toda, e selfies de bocas escancaradas, tudo a um tempo, à mesa de um restaurante. Mesmo que provenham de uma Europa avançada e, agora, tristemente moderna.
Provavelmente fartas dos maus enquadramentos que a ebriedade lhes fornecia, pediu-me a mais nova que lhes tirasse uma fotografia, e logo outra, s'il vous plaît, e eu vai de colocar as duas ao centro, cabeças bamboleantes, e, por duas vezes, disparei à queima-roupa, à queima-maquilhagem, à queima-cabeleireiro — expondo, à mostra e à vista desarmada, as duas: alegres, descontraídas, maduras.
De alguma maneira, não ficaram satisfeitas com o resultado, trocaram mais mil palavras, numa espanholada francesa, e voltaram às selfies, e às fotografias uma à outra. Nesse momento, a mais velha protestou pela proximidade com que a outra colocou o telemóvel para a fotografar, e revelou uma evidência, que é uma verdade universal e transversal a todas as mulheres acima dos trinta anos:
- Je n'ai pas vingt ans!
E a outra, que também não os tinha, insistia em aproximar o aparelho do rosto enxuto da mais velha, enquanto ela repetia:
- Pas si près, je n'ai pas vingt ans!
Quase posso jurar que o ângulo escolhido pela fotógrafa me estava a atingir a mim também, porque comecei a sentir os disparos, um atrás do outro, enquanto me apercebia da fina ironia da situação — na verdade, nenhuma de nós três (já que agora eu me incluía, de alguma maneira, no grupo), tinha vinte anos —, e me vinha à cabeça quelque chose comme 
Moi non plus, je n'ai pas vingt ans, mais je ne le regrette pas.

2 comentários:

  1. Confere, já passaram faz tempo. Tb n me arrependo mas por vezes tenho saudades deles :)

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    1. Eu não os lamento, tinha uma vida estuporada, a estudar 24 horas sobre 24, para ter uma porra de um 12 :)

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