02/02/2017

Entrei na 5.ª dimensão e saí no 5.º andar

Parque de estacionamento do Edifício Castil.
Digamos que entrei e desci uma rampa. Lá em baixo, dizia completo, logo depois livre e eu avancei, fermosa e sigura. Pensei que tinha chegado ao piso -1, mas apercebi-me que tinha antes entrado numa mina, tipo da Panasqueira, escura, fria e crua. (Não que alguma vez lá tenha estado, mas há coisas que uma pessoa intui, mesmo sem aquela da experimentação.) Os corredores eram estreitos e em curva. Segui as setas em busca de um lugar vago, mas os únicos eram destinados a tudo menos a mim. Como em todas as catacumbas e pesadelos, havia dois homenzinhos a limpar carros com um trapo, e um deles gritou-me: "Lává o cárrinho, sinhóra?". Eu fugi, lá aplicar sufixos diminutivos à mãezinha. Dei mais uma volta àquilo, ainda esperançada, por ver passar pessoas com a chave na mão, mas agora, a esta distância, tudo me leva a crer que se tratava antes da chave de alguma passagem secreta, pois as pessoas desapareciam e nenhuma delas tirou o carro enquanto ali andei às apalpadelas. Consequentemente, não encontrei qualquer lugar onde coubesse o verdadeiro autotanque que é o meu boi, e vai de descer para o piso seguinte. A rampa para o fazer parecia uma descida da montanha russa: com uns 30º de inclinação (não sei ao certo, que não fui buscar o transferidor, mas era muito e deu-me vertigens), a direito (sim, dá para acelerar, levantar voo e ir estoirar contra a parede, nas calmas), tendo, de um lado, parede, e, do outro, grade de varanda. Desci assim devagarinho, pé ante pé, ai-ai-ai-que-eu-caio, e é quando me apercebo que atingi o piso 3. Não li mal, não era -3, era o 3, sendo que, pelos vistos, eu tinha vindo do 4, que também não era -4. Que giro, um prédio de pernas para o ar. Ou de cabeça para baixo. No piso 3 repetiu-se a cena da procura em vão por buraco, com a única nuance de ali não haver homenzinhos a gritar comigo. Tomei a resolução de descer para o seguinte, fosse lá qual fosse o número do patamar da mina. Sai-me, então, outra rampa daquelas, que desci com a mesma desconfiança e tenebrosidade da anterior. Lá em baixo, a iniciar a subida, deparo-me com outro carro, faço mil sinais ao condutor de que se encontra em contramão, mas ele ignora-me. Tal não me causa qualquer espanto, tendo em conta que se trata do Dr. Emmett Brown, ou de um clone dele. Antes que o carro dele disparasse em flamas em direcção ao futuro, manobrei avidamente de forma a deixá-lo exercer a sua prioridade de quem sobe, e fui estacionar arrumar o carro, com vista a facilitar a manobra ao outro condutor* no lugar destinado a deficientes, que foi muito bem rasgado ali assim naquele sítio: ao fundo da rampa, em paralelo com ela, o que significa que uma pessoa com mobilidade reduzida ainda tem que manobrar mais do que outra sem a mesma redução. Foi nesse piso, que afinal era o 2 (e, insisto, não o -2) que consegui um inacreditável lugar, que me obrigou a potrilhas várias para conseguir sair do carro. E era o lugar 136. Faz todo o sentido. Piso 2, lugar 136.


Depois meti-me no elevador e saí para a rua. Que fica no piso 5.
______
* texto corrigido, com vista a, desta vez, facilitar a compreensão do mesmo.


8 comentários:

  1. Ahahaha E depois não querem que as pessoas andem confusas.

    (Outro dia fui a uma formação e o senhor que me contactou avisou-me que ali bem perto havia um parque gratuito e coberto onde poderia deixar a viatura. Entrei no parque, cheinho até mais não, e após passar umas grades amarelas, que achei estarem ali só porque sim, encontrei um lugar espaçoso e perfeito. Quando voltei ao final do dia reparei na placa: "Lugares exclusivos- Câmara Municipal de ...")

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    1. Estive mesmo para perguntar ao balcão da saída se ainda tinha que apanhar mais algum elevador para sair para a rua :D

      (Aqui há uns dias, estacionei num lugar destinado à embaixada, naquela mesma rua, e não aconteceu nada. O importante é a pose :))

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  2. Anónimo2/2/17

    "fui estacionar no lugar destinado a deficientes"
    Que falta de civismo da sua parte!

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    1. Que pena não ter lido o resto do texto, nem ter olhado para a imagem. "Estacionar", naquele contexto, significou "arrumar o carro, sem desligar o motor, para ajudar à manobra do outro condutor". É óbvio que não deixei ali o carro, como não tinha deixado nos outros lugares destinados a deficientes nos andares anteriores que percorri.
      Vamos falar de falta de civismo, anónima?
      (Vou corrigir, em homenagem a pessoas que não lêem.)

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  3. Linda,

    ... "Lává o cárrinho, sinhóra?" ... o cárrinho até brilha ,reflete néons .
    Eu faleço com falta de ar.Parques de estacionamento esquece...então o do Corte Inglês é só torcicolos na percoceira.

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    1. E está tremeluzente, dos nervos ao fotografar, mas isso é para manter o posto de "as mais mal tiradas fotografias da blogosfera", que me pertence por mérito.
      No do Corte Inglês, pus ao todo na minha vida uma vez. Aquilo enjoa-me enquanto passageira, e não melhora enquanto condutora. (Talvez de olhos fechados...)

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  4. Linda,
    Voltei a ler ...depois do # Anónimo !
    O Anónimo tem razão !!! ... " fui estacionar arrumar o carro, com vista a facilitar a manobra ao outro condutor* no lugar destinado a deficientes " ...blá,blá,blá ..." que me obrigou a potrilhas várias para conseguir sair do carro "...
    Depois de bem arrumadinho saíste a coxear ...certinho !
    :) :)

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    1. Tem razão, sim senhora! Foi de uma grande falta de civismo da minha parte estacionar naquele lugar para facilitar a vidinha ao idoso antipático — que não me agradeceu —, e ainda ter ido pôr o carro num lugar absurdo, que me obrigou a mais 50 manobras (porque não era só estreito, estava simplesmente rodeado de carros e paredes em todos os ângulos), só para evitar deixar o carro no lugar reservado a deficientes. Havia de ser linchada.
      :)

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