20/06/2017

Estivemos todos tão perto

Nunca a expressão "calor assassino" me fez tanto sentido. 
A sala, arejada como possível, é o espelho de que algures, não muito longe, as brasas ainda encandescem, as chamas ainda lambem árvores, estradas, casas e, agora, gentes iguais a nós. Perdeu-se, sem deixar rasto, a noção de corrente de ar: não há como fazê-la, o que entra pelas frinchas é um bafo quente e impiedoso, um hálito demoníaco.
Estava aquela senhora velhinha, os olhos azuis numa aflição negra, pregados a pregos nas imagens, a atenção toda presa com ferros, suspensa por cinzas no cinzento do desconhecido, quando a enfermeira lhe chegou ao lado e lhe disse que não podia afligir-se assim. Foi num murmúrio daqueles que saem da alma das mães, que tanto e demasiadas vezes saiu da minha, que a ouvi responder, "Mas ele está lá metido naquele inferno".
Quando saí, debaixo de um céu azul que se fez cinzento como cinzas, olhei-o de olhos baixos e perguntei-Lhe outra vez: "Onde é que estás?".
Duas horas mais tarde, soube da morte do bombeiro e, se soubesse rezar, ter-Lhe-ia pedido que não fosse aquele. Como se aqueloutro não fosse, também ele, o filho muito amado de alguém.

4 comentários:

  1. Anónimo21/6/17

    Já não sei o que dizer a respeito. É muito, demasiado triste.

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    1. Não há nada que se diga que possa minimizar tudo aquilo. É o clássico "Não há palavras".
      O que dizer a respeito? Respeito. Só...

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  2. É assim mesmo.
    Com toda a gente que é boa gente.

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