02/08/2016

Todos os dias

Há lugares, como este, em que tudo se processa a um ritmo diferente. É o das batidas do coração fora do espaço que ele deveria ocupar, atrás das três costelas numeradas de um a não sei. Sinto o meu, está na barriga, precisamente no sítio onde a transportei há dezoito anos, passadas que foram todas as estações do ano assim juntas, dei-lhe enfim a luz num dia de Inverno. Lateja-me tão dentro e tão profundamente que juro que me salta pela boca, de todas as vezes que ouço grave, muito grave, ou leio a sigla do terror, UCI. Aqui perto, nasce-se muito, e nasce-se também muito depressa. Os pais dos prematuros têm todos o mesmo olhar de esperança interrompida, de medo de ter esperança, de final do estado de esperanças. Na sala de pais, ninguém fala com ninguém, o medo esmaga tudo, a todos cobre como um manto incapacitante de qualquer alternativa que não seja do fecho dentro da concha. Cada um tem o seu caso, cada um sabe de si, e ninguém sabe de ninguém.
Junto ao átrio da morgue, todos os dias chega uma carreta diferente. Hoje estava uma pulseira de recém-nascido, azul-rapaz, caída no chão, ali a poucos metros da fúnera.
Todos os dias se nasce.

4 comentários:

  1. Seja qual for o problema, desejo que tudo corra bem.

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    1. Obrigada, Ana.
      Ainda nem nós sabemos ao certo...

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  2. Opáaaaa!! Mas foi acidente? Foi de repente? As melhoras!

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    1. Não, foi de repente, mas não acidente.
      Já melhorou, vai melhorar mais. Fala com a Madu, ela conta-te.
      Obrigada, Ana.
      Beijinhos

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