12/08/2016

positiva +

Apetece-me chamar-lhe Fernanda.
É muito raro, senão mesmo inédito, mudar os nomes às personas de quem falo aqui no blog.
Esta pessoa pode chamar-se Fernanda. Ou talvez não. Mas sim.
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Encontrámo-nos por um daqueles acasos que a vida nos prega, como partidas de bom gosto no meio da desarrumação que ia na nossa vida. Estava, naquele dia, de serviço ocasional à UCI,
O meu lugar é na urgência de pediatria, lá é que é o meu lugar,
como se aquele lugar lhe pertencesse por direito de propriedade, escritura lavrada, e lá se sentisse em casa.
Eu sou seropositiva há doze anos, mas isso não me tira a vida,
e ai de quem não acreditasse.  Loira, daquele loiro amarelo do cabeleireiro de há dois meses, raízes escuras, olhos da transparência do âmbar, dentes muito brancos e tortos, linguagem corporal dentro de um corpo seco e bonito, constante, viva, ondulante.
Nunca toquei em drogas, mas foi uma loucura. Tenho trinta e um anos e há doze que sou seropositiva. 
Falou-nos dos filhos.
Um de cada pai.
E de como se dá bem com todos, os dois pais dos dois filhos, as duas namoradas dos dois pais dos dois filhos, os dois filhos — e ai de quem não acredite, tamanha é a luz e a febre boa que jorra a jorros daquela urgência de vida, cujo lugar é na urgência de pediatria. 
Já vi tanta coisa naquela urgência, há pais e pais, há pais tão maus, eu não quero pais assim para os meus filhos.
Nem quando fala nas sombras que a assombram, nem mesmo nessa altura, se ensombra. 
Eu viajo, eu gosto de viajar, se tenho que ir, vou, deixo os putos bem entregues e saio pelo mundo,
tudo cantado num sotaque algarvio cerrado.
Tudo espelhado num espelho de água de olhos que pertencem à urgência da pediatria e da vida, e que nunca se ensombram.
Nada me tira a vida,
deu-nos ela aquela lição, enquanto esperávamos por boas novas na UCI. 
Tem que acreditar.


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