– O que o homem sofreu a vida inteira
disse ela. E de facto sofreu como um cão a vida inteira. Respondi
– Conheces algum artista que não sofra, conheces algum artista feliz?
Todos eles atormentados, contraditórios, num desespero e numa angústia
constantes, mesmo sob o humor, sob a alegria. Os meus queridos russos, Tolstoi,
Gogol, Tchecov. Scott Fitzgerald, que sustentava não ser possível escrever a
biografia de um escritor porque ele é muitos. É necessário roermos as passas do
Algarve para que o leitor tenha prazer. E que mistura de sangue e júbilo na
criação, outros sentimentos de que não falo por pudor. Graham Greene agora,
para variar: «um escritor é um homem de barba por fazer e copo na mão, cercado
de criaturas que não existem». E Gogol destruindo toda a segunda parte das
Almas Mortas, uma obra-prima, chorando. Já que estou em maré de citações
lembro-me de Apollinaire, poeta com quem aprendi muito: «piedade para nós que
trabalhamos nas fronteiras do ilimitado e do futuro». Era isso que ele
suplicava: piedade para nós, tende piedade de nós. A beleza que nos dão
saiu-lhes do pêlo, rasgaram a alma por ela. E a Dominique a olhar para mim com
a tal piedade que Apollinaire desejava. Como é possível coexistirem num só
homem ou numa só mulher tanto sofrimento e tanta exaltação?
António Lobo Antunes, in Tenham piedade de nós
"Senhor, tende piedade de nós?" :P
ResponderEliminarAqui, é mais, senhores, no plural, e com minúscula.
EliminarOu melhor, senhoras :P
(os senhores são mais delicados)