Estamos sentadas lado a lado, cada uma com uma manicure, minuciosamente a arranjar-nos as unhas. Ela chegou depois de mim, já eu tinha passado o primeiro processo, de arrancar o que sobra do verniz gelinho, o que faço religiosa e violentamente na véspera daquele trabalho, para o abreviar o mais que posso. Corto também as unhas rente ao sabugo, coisa que faz toda a profissional reclamar de nada ter para limar. (Pois que é precisamente essa a intenção.)
Ela abunda em carnes, em vida estereofónica, em unhas: são gigantes, terminando cada uma em dois vértices pontiagudos que, numa soma ou multiplicação muito rápida, concluo serem vinte, só nas mãos. Lembram-me as navalhas do mar, mas não é uma lembrança feliz. Ela crava os olhos em mim, que pareço uma mosca morta, perto de tanta efusão. Sinto-me doente porque o pólen me mata, e isso faz-me ficar inerte e muda. Ela bamboleia o enorme quadril na cadeira, chacoalha os vários pneumáticos que lhe compõem o torso, enquanto a manicure lhe lima os canivetes. Entoa "Bacalhau quer alho", rindo aberta e escancaradamente. Eu estou metida no inferno.
Por alguma razão que desconheço, engraça comigo. Ou então, percebeu tão claramente que conto, em decrescente, os segundos para dali sair, que persiste nalguma espécie de provocação. No rádio soa Enrique Iglesias, qualquer coisa que le duelen los pies, enquanto a mim me duele tanto la alma. A manicure dela comenta,
- Hã, dona Linda, e a sinhóra com umas unhas dessi tamãio?
E concorda ela, reforçando:
- Eu acho lindas, não consigo tê-las assim curtas como as suas.
Sou a maior hipócrita que conheço, quando, diante da visão das mãos dela, inchadas e encardidas, dez navalhas com vinte bicos, respondo:
- São uma maravilha. Mas eu não posso, exerço uma profissão que não permite. Com umas unhas desse tamanho, não consigo escrever no computador.
Há-de talvez ter pensado, durante a pouca pausa que fiz para, digamos, respirar, que umas unhas muito compridas me analfabetizariam como por magia.
- É que carrego numa tecla, no teclado, e a unha digita-me outra.
Saio com dez fósforos apagados nas duas mãos, enquanto ela terá saído com dez navalhas de um azul petróleo, desenhadas de rendas brancas e cravejadas de brilhantes cintilantes.
Ela abunda em carnes, em vida estereofónica, em unhas: são gigantes, terminando cada uma em dois vértices pontiagudos que, numa soma ou multiplicação muito rápida, concluo serem vinte, só nas mãos. Lembram-me as navalhas do mar, mas não é uma lembrança feliz. Ela crava os olhos em mim, que pareço uma mosca morta, perto de tanta efusão. Sinto-me doente porque o pólen me mata, e isso faz-me ficar inerte e muda. Ela bamboleia o enorme quadril na cadeira, chacoalha os vários pneumáticos que lhe compõem o torso, enquanto a manicure lhe lima os canivetes. Entoa "Bacalhau quer alho", rindo aberta e escancaradamente. Eu estou metida no inferno.
Por alguma razão que desconheço, engraça comigo. Ou então, percebeu tão claramente que conto, em decrescente, os segundos para dali sair, que persiste nalguma espécie de provocação. No rádio soa Enrique Iglesias, qualquer coisa que le duelen los pies, enquanto a mim me duele tanto la alma. A manicure dela comenta,
- Hã, dona Linda, e a sinhóra com umas unhas dessi tamãio?
E concorda ela, reforçando:
- Eu acho lindas, não consigo tê-las assim curtas como as suas.
Sou a maior hipócrita que conheço, quando, diante da visão das mãos dela, inchadas e encardidas, dez navalhas com vinte bicos, respondo:
- São uma maravilha. Mas eu não posso, exerço uma profissão que não permite. Com umas unhas desse tamanho, não consigo escrever no computador.
Há-de talvez ter pensado, durante a pouca pausa que fiz para, digamos, respirar, que umas unhas muito compridas me analfabetizariam como por magia.
- É que carrego numa tecla, no teclado, e a unha digita-me outra.
Saio com dez fósforos apagados nas duas mãos, enquanto ela terá saído com dez navalhas de um azul petróleo, desenhadas de rendas brancas e cravejadas de brilhantes cintilantes.
Também estou sempre a apanhar com "cromos" difíceis em qualquer lado e ocasião, parece que os atraio. Tal como a LB :-)
ResponderEliminarNão suporto esse tipo de unhas, até tenho medo que me vazem um olho.
AL
Aquilo, o mínimo que fazem uma pessoa, é degolá-la, se lhe rasarem inadvertidamente a carótida.
Eliminar:)
Que medo... :-)
EliminarUm pouco hiperbólica, mas deve andar por aí :)
EliminarTambém detesto esse tipo de unhas e não tenho paciência para passar horas na manicure, por isso, curtinhas e está perfeito e prático!
ResponderEliminarDesde que andem limpas e sem verniz lascado, estão sempre bem. Conheço uma pessoa que traz sempre o verniz lascado. Sempre. Ora, não era melhor simplesmente não pôr?
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