Em passeio pelos natais alheios, mais uma vez me apercebo de que nem o estereótipo da avó como figura dominante do Natal da infância tive. Nos meus natais havia duas tias, trezentos quilómetros separadas uma da outra, ambas irmãs, uma materna e outra paterna.
Nasci já só com uma avó, portuense por usucapião do casamento, mas barcelense das costelas todas. Era no Porto que o Natal acontecia, o que me levou, até ser mulher, à ilusão de que o resto do país não comemorava o Natal. Quando chegávamos, a casa da minha avó cheirava a rezina e canela, à madeira que ardia na lareira da sala, aos móveis acabados de passar a óleo de cedro, a açúcar em ponto de rebuçado, à couve e ao bacalhau, à lã das camisolas grossas e dos cobertores de papa que era preciso agasalhar por aqueles dias. Esta alquimia era processada pelas mãos de fada da minha tia, que instalava e alimentava treze pessoas em casa, e só não à mesa porque a minha avó, supersticiosa, se sentava apenas quando a décima-segunda pessoa se levantava — o que não a impediu de ser a primeira a morrer, de todas as treze que lhe habitavam os natais.
A minha tia comemorava o Natal amarrada a um fogão e presa a panelas maiores do que ela, metaforicamente falando. Nessa época, como agora, não havia mil criadas para tudo. Isto, porque havia novecentas e noventa e nove que não existiam, e uma que, pelo insondável motivo de ter igualmente família e não pertencer a nenhuma religião alternativa, folgava também por esses dias, quem sabe soldada de e a outro fogão, comandando o ritual de fuzilamento e assadura de um condenado peru.
[Gabriela, cheiro de cravo, cor de canela.]
Ao contrário, a minha tia tinha um avental de algodão cheiroso, que concentrava o cheiro da canela, e eram da cor do cravo as mãos dela, quando saía da cozinha, e se sentava à mesa, para tomar a refeição. Tem graça que, agora que penso nisso, não me lembro de a ver comer. Lembro-me só dos olhos, muito pretos, cheios de água pelo brilho do calor do fogão — ou seria da felicidade?
Os homens conversavam à mesa e fumavam charutos especiais, porque eram dias de festa.
(Ninguém se lembra que os homens não se moviam, a não ser para levar o garfo ou o charuto à boca.)
Mais tarde, quando os natais se transportaram para Lisboa, trouxeram com eles também a figura da tia ao fogão, no corpo de outra tia, tão minha quanto a do Porto. Usava igualmente um avental cheiroso de canela, colocava travessas de rabanadas na mesa, e as mãos, da cor do cravo, tem graça, agora que penso nisso, não me lembro de lhas ver pegar em talheres para tomar a refeição. Lembro-me só dos olhos, quase verdes, cheios de água pelo brilho da felicidade — ou seria do calor do fogão?
Adorei esta descrição. Só que a tia era a minha mãe. Um Santo Natal para ti.
ResponderEliminarÉ a perspectiva das minhas primas :)
EliminarBom Natal, Maria. Obrigada.
Dos meus natais há também a recordação de uma tia, alquimista prodigiosa nas artes da culinária e doçaria, e a somar a tudo isso, emérita contadora de histórias.
ResponderEliminarUm Natal Feliz, LB :-)
Tivemos fadas nos nossos natais, Xilre :)
EliminarUm Natal Feliz, igualmente. Obrigada :)
Querida Linda, hoje lady in red,
ResponderEliminarDesejo-lhe um Natal cheio de brilhos de felicidade.
Um beijo,
Outro Ente.
Querido Outro Ente,
EliminarCabe-me o papel de Santa Mom — hoje e sempre.
Desejo que este Natal seja maravilhoso, pleno, e perdure nos próximos 366 dias.
Um beijo,
Linda Blue.
Vim a correr com um pratinho de sonhos para provar. Sirva-se à vontade :)
ResponderEliminarFeliz Natal, querida Blue :)
Miss Smile e sua pontaria certeira, pois se eu gosto de sonhos! :)
EliminarObrigada, muito.
Feliz Natal, minha querida :)
Um Feliz Natal para ti, Linda, e para todos os teus que tu tanto amas e dos quais me fazes gostar, só por aquilo que escreves sobre eles. Beijinho enorme e abraço ainda maior, porque eu sou pessoa de abraços :)
ResponderEliminarEntão, estamos em casa. Eu também sou de abraços, por ter muitos braços :)
EliminarFeliz Natal, querida. Votos extensivos aos teus também.
Bom espírito , LB !
ResponderEliminarSão essas recordações,que tornam o Natal diferente de tudo o resto .
É bom !
:)
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