13/09/2017

Aquele discurso feminista por que todos — eu incluída — esperávamos

Tudo é suportável num homem. Enfim, há uma coisa (incorpórea) que não se aguenta.
É suportável que ele seja teimoso como uma mula, porque diz que um teimoso nunca teima sozinho. Isto inclui a fraca memória para ditos e feitos de que circunstancialmente se desmemoria, contra a memória de paquiderme que qualquer mulher tem para datas, locais, pessoas, indumentárias, até mesmo expressões faciais e entoações de voz. Não sei mesmo como é que a prova testemunhal não está confinada apenas às mulheres.
É suportável que ele conjugue os verbos partir e estragar sempre com o pronome oblíquo -seIsto partiu-se — e nunca Eu parti isto.
É suportável que ele conheça mil caminhos alternativos à óbvia linha recta que lhe apontamos para chegar do ponto A ao ponto B, se perca num deles e jamais pergunte a um estranho indicações para voltar ao eixo.
É suportável que ele fique à morte cada vez que espirra (e vê mosquitos brilhantes no ar, e estoiram-lhe os tímpanos, e a cabeça explode, e sente palpitações pré-enfarte, e as pernas falham-lhe, e sua).
É suportável que ele seja previsível, e que, se conjugarmos o estímulo A com o estímulo B, consigamos o resultado X, como aquilo de juntar dois fios eléctricos e ah, fazer-se luz.
É suportável que ele se ache graça, já tenha percebido que as mulheres preferem os que as fazem rir, e esteja algures numa destas categorias: i. O que tem graça e não sabe; ii. O que tem graça e sabe; iii. O que não tem graça e não sabe e insiste; iv. O que não tem graça e sabe e insiste (porque ainda não percebeu toda a dimensão do conceito de palhaço); v. O que não tem graça e sabe e não insiste (abençoado).
É (até) suportável que ele seja um mentiroso descarado, sobretudo quando se enaltece. Que mal vem daí ao mundo?
É suportável que ele tenha a melhor mãe do mundo.
É suportável que a ex seja a tal (e que nunca cheguemos a perceber como é que ela lhe escapou. Ingrata.) (Nem como é que ela engordou e descaiu daquela maneira, mas ele continua a suspirar por ela com dezoito anos, fresca e seca.)
É suportável que aquele lugar de estacionamento que nós indicamos, à sombra e sem espinhas, não seja o melhor para o seu amado espadalhão de 1999, e aquele outro, em cima da lama, à tangente de uma árvore e com um pombal de pigeons com desinteria mesmo por cima seja, esse sim, o lugar perfeito.
É suportável a neura pelas derrotas do clube, pelo patrão que é um cão, até mesmo pelo cão que não toma banho, pelo banho que não querem tomar. 
É suportável até a vaidade física, o espelho, a barba lisinha, a depilação, as sobrancelhas acertadas, a tatuagem, a roupa desnecessariamente reveladora, o andar gingão, o cabelo ridículo. 
Mas a vaidade intelectual, senhores, essa é que já é insuportável e imperdoável. 
Pior que um intelectual vaidoso, é um vaidoso intelectual, cheio de proa e pose, debitando sabedoria e cultura a cada frase.
Nós, mulheres, precisamos de um niquinho de futilidade, que nos deixem ser mulheres em paz.
Falo por todas.
Ó pá, deixem-nos (se não puderem amar-nos cá com os nossos defeitos todos), lindas e maravilhosas.


4 comentários:

  1. Eu não sei se todas essas coisas são suportáveis, algumas deixaram-me a pensar mas totalmente de acordo com os insuportáveis intelectuais, eu cá também tenho as minhas mini doses de futilidade!

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    1. Na verdade, são todas mais ou menos insuportáveis. Os intelectuais são os mais irritantes.
      As minhas são macro, Be. A vida é demasiado curta para me enterrar em grandes temas antes da hora.

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    2. Be, são suportáveis na medida em que, ou é isso, ou vivemos todas isoladas sem homens 😉😉

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