27/04/2017

Quando fazes aos outros o que não gostas que te façam a ti

Coincidimos na aula de dança, coincidimos depois no balneário, coincidimos finalmente na saída do ginásio. Como uma sombra, assim mesmo, muito maior do que eu, ela esteve sempre quatro passos atrás de mim, coincidências que acontecem, como numa coreografia bem ensaiada. Tínhamos recebido a novidade de uma aula especial, extra-plano, com o triplo da duração das costumeiras, e ambas queríamos fazer a inscrição para o evento. Ela, enorme, possante, chegou ao balcão os tais quatro passos depois de mim, pelo que fui atendida em primeiro lugar. Disse ao que ia, que queria inscrever-me na aula especial. Ela encostou-se no outro extremo do balcão, à espera que chegasse a sua vez, atenta, porém impaciente. Enquanto era atendida, vi num relance que toda a linguagem corporal dela denunciava pouco tempo/paciência/vontade de esperar. Pareceu-me cansada e atribuí a cara fechada a isso mesmo.
A funcionária perguntou-me se queria a t-shirt alusiva ao dia e eu ai que sim. Perguntou-me de que tamanho, e eu "XS, então não se vê logo?", mas ela não percebeu a ironia e disse-me que não tinham XS, com as sobrancelhas elevadas ao nível da raiz do cabelo.
Nesse momento, ela começou a borbulhar, aquele ponto da fervura que não tarda à ebulição. Fitava-me fixamente, contrariada e suspirante. Imagino que terá rolado mentalmente os olhos várias vezes.
- Então o S, pronto. Vai-me ficar largo, mas depois mando apertar à costureira.
(Isto era uma piada.)
Quase a ouvia bufar, a três metros de distância, enquanto me lançava olhares de enfado e pressa. A outra escrevia no computador sei lá o quê, que também não atava nem desatava com a inscrição nem com a t-shirt. 
- Tem aí alguma para eu ver o tamanho? — Quis eu acelerar o processo, abreviando a agonia da minha companheira de aula. E não esperei a resposta, fui para o expositor das t-shirts, para confirmar.
- Pode ser o S, sim.
Os olhos dela em alvo, ou melhor, eu em alvo, os olhos dela em mira, chispando. 
Finalmente, explodiu, e avisou:
- Vou-me embora, venho cá amanhã. — Na voz a raiva, no andar a fúria.
Não se costuma dizer que "Nas costas dos outros vejo as minhas"? Pois, foi exactamente o que me aconteceu. Pude ver-me ali, em tantas circunstâncias em que simplesmente desisto, porque está uma chata a fazer o Mundo perder tempo.
Não me posso esquecer de que vamos dançar juntas. (E de que ela é muito maior do que eu, já disse?)

2 comentários:

  1. Anónimo27/4/17

    Diz que não há concidências. Afinal são sinais. Sinais do Universo. Diz que sim...
    Ora aí está o sinal a tentar explicar a LB que situações há em que conversa de menos é conversa favorável, sobretudo se houver "pacientes" à espera.
    Acredito na teoria da pressa, dia mau, mais que fazer no que à outra Sra. diz respeito. Toca a todos. Quando tenho muita pressa e o freguês à minha frente está na tertúlia, sou menina para demonstrar o meu enfado silenciosamente, somente através de linguagem corporal.
    Agora quando estiverem a abanar a anca, mostra-lhe que afinal também és despachada.Boa aula! ;)

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    1. Grande verdade. Mas era um ambiente de descontracção e final de festa, e a minha "culpa", neste caso, foi relativa, porque a funcionária também colaborou, e como, para a minha demora. Suspeito que estava no skype ou no FB, tanto que não conseguiu fazer a minha inscrição e tive mesmo que, também eu, voltar no dia seguinte.
      E já as paguei bem caras, com um daqueles senhores de cabelo branco, à minha frente no MB. Fónix... :)
      Obrigada, estou mesmo expectante :)

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