09/04/2018

regressado

Chegou-me inteiro. Vinha sujo, queimado de um sol que eu nem sabia ter havido, rouco e cheio de frio pelos calções abaixo. Trazia "vontade de comida a sério", cansado de hambúrgueres sempre iguais e cereais secos. Na pequeníssima mala, toda a roupa suja, meticulosamente dobrada. Nos olhos adornados de olheiras, o brilho da idade da inocência, umas vezes perdida, outras tantas intacta.
Lavou os dentes, tomou banho, comeu comida de casa e adormeceu, tornando-se, num breve segundo, de homem rude e exausto, em criança tranquila e apaziguada.
Poucas horas depois, perante as notícias que davam conta do acidente com a camionete de finalistas, partida lá do mesmo sítio de onde ele veio, veio também o inevitável impossível de não me colocar na pele dos pais do João, de não sentir uma imensa compaixão por duas pessoas que, tal como nós, passaram toda a semana com o coração nas mãos, esperando pelo regresso do filho que, no último momento, não aconteceu. Não posso nem quero imaginar o tamanho da dor daqueles pais. Mas consigo perceber o alcance dela, assim como a dimensão da tragédia nas vidas de uma família inteira.
Foi com esse aperto no coração que entrei no quarto azul e o constatei adormecido. Fui espreitá-lo, confirmá-lo em casa e nas nossas vidas, como se assim o pudesse garantir.
Chegou-me inteiro, o meu menino.


12 comentários:

  1. São e salvo, no teu colo, onde pertence, onde todos os outros deveriam estar...

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    1. Sem dúvida, Be, sem qualquer margem para dúvidas...

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  2. Anónimo9/4/18

    Quando vi a notícia só fiz contas aos meus miúdos. O meu já foi há quatro anos, a prima mais velha foi o ano passado, a prima do meio não quis ir este ano, falta o primo mais novo e, se eu mandasse alguma coisa, não iam, nenhum deles, a mais lado algum. Ainda bem que não mando, dizem eles.

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    1. Os meus, da minha criação, já foram todos. Já só faltam três sobrinhos, o que não é tão pouco como isso. Cortar-lhes as asas não é solução, deixá-los voar para longe também não parece ser :/

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  3. Quando ouvi essa triste notícia ,lembrei-me do teu post.
    Pais sofrem.
    Sofrem mesmo !
    Mas não lhes podemos cortar as asas.Concordo.Mas ...

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    1. Mas não há receitas. É confiar na sorte, na divina providência, naquilo em que se acreditar.

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  4. Este relato traz me memórias, da minha viagem de finalistas... Acho que estive a dormir um dia inteiro...
    Nem quero imaginar quando for a vez da minha pipoca... Mas é assim a vida, não vale a pena tentar cortar lhe as asas, é a nossa função como pais prepara-los para voarem da maneira mais segura possível... Deixá los procurar a sua felicidade...

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    1. Eu não fiz, porque no meu 12.º não havia. E não fiz na faculdade, porque quis ficar a marrar um cadeirão (sofá, na verdade), que me valeu a melhor nota da turma (uma m. de um 14), enquanto os outros se divertiram que nem malucos.
      Quanto aos nossos, é mesmo coração ao alto. No meio das nossas súplicas, pode ser que alguém ou Alguém nos ouça...

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  5. Lembrei-me tanto de ti!
    Ufa!

    Beijo abraçado :)

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  6. Pequeno caso sério11/4/18

    Todos os anos ela me pede.
    Todos os anos lhe damos a mesma resposta e ficamos todos mal: ela porque levou um não e nós porque o dissemos.
    Se faço bem? Provavelmente não mas por enquanto o medo é infinitamente superior à vontade de lhe dizer que vá.
    Até quando, não sei mas espero que ainda demore.

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    1. Mas ela só vai ser finalista uma vez. Até lá, vocês crescem com ela. Com todas as dores que isso envolve, mas também com todas as alegrias.

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