19/04/2018

o que é normal

Saímos todos do mesmo metro, tão iguais uns aos outros. Chegada a pequena multidão ao cimo das escadas, foram saindo alguns, depois de validarem o seu bilhete, abrindo a cancela de acesso à luz. Já de outras vezes o havia visto sair do comboio, naquele mesmo horário, e sei que me chamou a atenção, logo após a sua evidente trissomia, ainda que de costas, a sua autonomia, a sua alegria, a sua liberdade. Imaginei que viria da escola, para a escola, para a sua vida, enfim. Houve então uma mulher normal — no sentido de vulgar, sem quaisquer sinais distintivos, nem alta, nem baixa, nem velha, nem nova, nem magra, nem gorda, nem mal nem bem vestida. Talvez apenas isso, banal — que lhe fez sinal, apontando a cancela, pedindo-lhe que, com o seu passe, lha abrisse. E ele, gentil, assim fez, não desfazendo o sorriso que rasgara aquando da abordagem. Ela, agora sim, vulgar, seguiu caminho, sem um agradecimento, sequer a devolução do sorriso bom dele. E então, ele ficou para cá da cancela, o passe a recusar-se dar-lhe duas saídas seguidas, preso na sua ingenuidade, vítima da sua própria bondade. 
Não fui eu que o salvei da estupidez das pessoas, pois logo se acercou dele uma senhora, também ela normal — mas, essa, sim, caracterizável em vários quadrantes: pequena, com a magreza da escassez e do desfavorecimento, negra de outro continente onde sei que a partilha do pouco ou nada existe, vestida de vestes humildes —, que, pegando no seu passe, o picou com uma entrada e, logo de seguida, a saída, para ele.
Fiquei então a pensar que prefiro pertencer a este lado das pessoas normais, e que não, nós não somos todos iguais. A bem de todos que não somos. 


10 comentários:

  1. Anónimo19/4/18

    Querida Azulinha ,passei para te deixar um abraço apertadinho.E não, felizmente não somos todos iguais.
    Beijinhos Azulinha 🌸

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    1. Obrigada, Miss Curvas, passa sempre, que fazes aqui falta.
      Não mesmo, felizmente.
      Beijinhos, querida 🌸

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    1. Dizes isso porque não sabes que eu sou verdadeiramente uma Lady Di, só que morena.

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  3. É netas coisas que perco o bom senso que há em mim e me apetece bater nas "pessoas".
    Felizmente ainda há muita gente normal e como bem dizes, ainda bem que não somos todos iguais.
    <3

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    1. Eu queria perceber estás cabeças como a da primeira mulher. Só a ver se não lhe dava umas boas também.
      Somos todos diferentes, pois há uns que são normais, como o miúdo e a senhora que o salvou da situação, e há, infelizmente, alguns anormais, como a outra.
      <3 u Be

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  4. Hoje nem sei o que dizer.
    Acho que sou muito ingénuo e fiquei estupefacto com esta história. Coitados dos seres " normais "...com ou sem trissomias .Pobres pessoas.Pobre rapaz .Essa gaja devia era ter levado uma surra.Nem dava para dialogar .Gente má .Muito má mesmo.

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    1. Tive pena de não ter sido eu a libertá-lo daquela situação. Podes crer que a outra levava o recado para casa. Mas ela sumiu-se lá nas trevas dela.

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  5. Inacreditável!
    [havíamos de morrer e voltar a nascer Ou fazer reboot]

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    1. [Existem demasiadas circunstâncias, mesmo estas da vida corriqueira, que me deixam envergonhada de não ser antes macaca, ou mesmo formiga, Té.]

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