21/01/2018

Hoje percebi a acepção estrita de vergonha alheia

À frente de Rosinha, um carro branco, a circular a uma velocidade normalíssima — uns 30 km/h — para a rua que era, estreita, cheia de passadeiras e de pessoas, com uma única faixa de rodagem ocupada por carros parados em segunda fila. Por isso, era previsível que tivéssemos que parar uns metros adiante, esperando que não viesse nenhum no sentido contrário, para podermos ultrapassá-los. Mas, ainda antes, uma passadeira de peões, onde iniciavam o atravessamento um senhor com alguma idade e um jovem pai com uma criança ao colo. O condutor do carro branco aproximou-se da passadeira quando as três pessoas já se encontravam a meio dela, e simplesmente (?) contornou os peões pela esquerda da faixa, entrando em contra-mão, para poder continuar a marcha. Ficaram os dois adultos parados, não sei se estarrecidos, mas certamente estáticos, a olhar para o carro, que seguiu. 
E seguiu à minha frente. Ultrapassou, na mesma calma velocidade, os carros parados em segunda fila, e parou no semáforo vermelho, logo adiante. 
E eu a fritar raivas contra quem acabava de fazer tal coisa. Vi-lhe no retrovisor os óculos e parte de um rosto feminino, que tanto podia ter 30 como 50 anos, ou mesmo mais. Ao menos que fosse uma anciã, distraída e sem reflexos, daquelas com que nos cruzamos todos os dias e até nos benzemos só de pensar.
O sinal verde abriu e ela não avançou. Fiz o que nunca faço, que foi apitar-lhe. (Normalmente, dou-lhes luzes até os encandear de nervos.) E fiz aquele gesto de impaciência, os dois braços no ar. 
Então, ela fez-me adeusinho com a mão direita e ainda fiquei mais irritada. Praguejei, com a solidária condescendência de Rosinha, que "Tinhas tanta pressa lá atrás, que só faltou passares por cima das pessoas, e agora adormeces no semáforo. Cabra." [Eu sou assim, esta lady no volante.] Seguiu, contornou à direita, depois à esquerda, depois à direita, e entrou na minha rua. Estacionou, e caíram-me as bolinhas dos olhos ao chão, quando me apercebi que era a minha vizinha dos tabuleiros
Fiquei tão envergonhada por ela.
Parei o carro uns metros adiante, não esperei que esperasse por mim, abri o porta-bagagens e fiquei a fazer tempo, fingindo que remexia em coisas invisíveis. Não quis encontrá-la naquele momento, pois conheço o tamanho da minha boca e a distância a que ela está do coração. E não havia nada de simpático que conseguisse dizer-lhe naquele momento. Mas juro pela minha saudinha que não foi por temer que se acabassem os tabuleiros. 
Que vergonha a minha. Que incivilidade a dela. E moramos nós sob o mesmo tecto.


4 comentários:

  1. Li o post dos "tabuleiros" e percebi que a vizinha tem cães, está esclarecido o comportamento:((

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    1. Mas também tem gatos. E duas filhas que, apesar de já crescidas, também andam a pé. Não lhe cai a ficha? Se os outros automobilistas fizerem aquilo às filhas, acha piada?
      Sem perdão, Ana :(

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  2. Nada a fazer !
    E os " telheirinhas " são muito "politicamente correcto"...eu gozo com a minha irmã , uma " teleirinha " tb .
    Agora essa vizinha dos tabuleiros...Araldite na fechadura !

    https://static1.efacil.com.br/wcsstore/ExtendedSitesCatalogAssetStore/Imagens/1000/401773_01.jpg

    Sem contemplações !

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    1. Mas como assim? Independentemente do bairro, então há "politicamente correctas" — com ou sem aspas — e "politicamente incorrectas" — também com ou sem — a morar sob o mesmo tecto, certo?

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