Outras vezes, sou eu que falo tanto.
Não sei ter animais. Perco a conta às vezes que vou verificar se as gatas estão a respirar, perante aquela letargia que me assusta e me deixa doente.
- Não quero ter mais passarinhos presos em gaiolas. Quando estes dois acabarem, acaba-se a gaiola. O meu problema é que os passarinhos nunca me morrem no mesmo dia. Depois fica ali um sozinho, viuvinho, eu encho-me de penas, e lá mando vir outro. Depois morre o outro, fica mais um sozinho, e andamos nisto há anos. Agora olho para eles, vejo que um é muito mais velho do que o outro, tem mais peninhas brancas na cabeça e nas costas, é capaz de morrer primeiro. E fica o outro sozinho, e eu isso não vou aguentar.
Ela ouviu-me atentamente, os olhos fixos sem sombra de crítica nem pestanejar de pasmo, e disse:
- Eu posso levar o passarinho que ficar sozinho para um senhor que mora ao pé de mim e faz criação, que ele tem uma gaiola enorme com muitos.
Minha Bianca é uma cougar: é ela a mais velha no casal. Pode ser por isso que nunca tiveram filhos juntos. Mas nas noites de Inverno vou sempre vê-los encostados um ao outro, no mesmo poleiro, a fazerem-se volumosos para se aquecerem e para darem calor ao outro. Não suporto a ideia da viuvez do meu Bernardo. Sofro por antecipação, aliás como com tudo. Prefiro despedir-me dele em vida, imaginando que vai ter uma vida melhor do que a da solidão da gaiola, que há-de ficar ainda mais fria sem a Bianca, ainda que seja Verão, pois mesmo no Verão se aquecem encostados no mesmo poleiro. Aninham-se, na melhor acepção do termo, já de si tão bom. O meu Bernardo aprenderá a piar em galinhês, deixará de ser um biquinho-de-lacre chique, mas que tão baixo preço a pagar é esse, diante da alternativa que é a tristeza da casa vazia?
Sobre essa problemática há um poema de Manoel de Barros que é fascinante:
ResponderEliminar«Para compor um tratado de passarinhos
É preciso por primeiro que haja um rio com árvores
e palmeiras nas margens.
E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos
goiabeiras.
E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.
É preciso que haja insetos para os passarinhos.
Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.
A presença de libélulas seria uma boa.
O azul é muito importante na vida dos passarinhos
Porque os passarinhos precisam antes de belos ser
eternos.
Eternos que nem uma fuga de Bach.»
(do livro "compêndio para uso dos passarinhos")
Como vai, Linda Blue? :)
Fascinante, mesmo, Impontual.
EliminarAos meus passarinhos falta tudo, só não um pouco de azul, de todo o que eu lhes dou e, ironicamente, da cor da gaiola que os prende.
Belos são, eternos jamais serão, pois perderam a capacidade de voar.
Não foram estas intempéries da saison, e estaria excelente, Impontual :)
E o que me conta de si, então?
Cogitabundo. Mas isso já não é da intempérie. :)
EliminarOh, o que mais tem tanta influência nesta nossa lua do que essa combinação que os outros astros nos/lhe arranjam? :)
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