Estou sentada com um monitor à frente, num quadrado pequeno a televisão, a emitir notícias, o espaço restante ocupado pelas letras e números das senhas de vez, que a voz do altifalante grita a cada três segundos. Estou ali há tempo suficiente para já ter contabilizado e também para ter habituado o ouvido e, sobretudo, a cabeça.
Um homem novo trá-la pelo braço e senta-a ao meu lado, "Aqui, ao pé desta senhora", apesar das inúmeras cadeiras vagas à minha volta. Isolei-me numa ilha — isola, em Italiano — exactamente para poder enlouquecer sozinha, sem que os outros malucos me aborreçam ou interrompam. Ela é muito idosa e conheço-lhe os sinais da demência nos traços. Traz um chapéu impermeável enterrado na cabeça, apesar do sol que brilha logo ali ao lado. Toda miudinha, pergunta-me, de chofre: "Olha lá, o que é que já roestes?". Respondo o que me vem à cabeça atormentada: "Olha, estou aqui em jejum". E, logo a seguir, "Eu não sou eu". Ela dá uma pequena gargalhada e diz: "Ah, pois não. Estou a confundir-te com a outra. Então não és tu?". "Não.", mas não me apetece rir nem sorrir, e então ficamos assim mesmo. Daí a pouco levanta-se e vai amparar uma mulher, que lhe cai nos braços como uma criança, tonta e perdida, demasiado grande para fazer dela suporte.
Talvez aquela fosse eu, talvez a outra fosse a minha mãe.
Somos a outra muitas vezes...
ResponderEliminarUm abraço quentinho, Linda :)
Tantas, Maria. Há uma altura em que trocamos, mesmo.
EliminarBeijos, Mary :)
Linda,
ResponderEliminarQue medo !
Bonito o final !
Isto é a vida, José...
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