30/09/2016

Ela fala tanto # 10

Era eu, plácida, no recesso do lar onde habito, e ela adentrara minhas portas há coisa de cerca de minutos atrás. 
Não sei a que, nem a de quem propósito, porque se me escapam sempre os intróitos dela, os preâmbulos e, mais adiante, os epílogos, mas raramente os enredos, desata ela a desfiar este rosário:
- Ela é mulher para ter sessenta, ou sessentas e tais, e ainda se veste como se tivesse menos vinte anos.
Depois deve ter-se lembrado que ela própria tem menos vinte anos, veste-se como se tivesse menos vinte anos do que tem (e aparenta mais dez), sentiu que descarrilara, e afinou, desacertada: 
- A mulher veste-se como se tivesse vinte anos!
(Afinal não sou só eu que, quando quero emendar a mão, entalo a outra.)
Enquanto isto, mirava-me eu ao espelho, pronta para voar pela porta por onde ela aterrara, e fotografava-me. 
- Mas será que as pessoas não têm noção? Não veem que já não se podem vestir assim?
Não se podem vestir assim, pensava o meu pensamento preconceituoso. Não podem vestir-se assim. 
Foi quando eu, que me visto como se tivesse menos vinte anos para aí desde os vinte anos, imbuída de régias reflexões, verti em silêncio, Por que no te callas? —, ainda acrescentando, aos gritos mentais — ¡coña!


(Trata-se da mesma pessoa que distribui a minha roupa para o quarto das minhas filhas.)

[Post ilustrado sob o inquestionável incentivo de Big Palmier.]

(Sandalete cinzenta, já agora.)


2 comentários:

  1. Adoro o vestido, a dona também não lhe fica mal. E diz a verdade, as tuas filhas é que te vão roubar o vestidos?

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    1. :) Não, a que veste mais vestidos, é tão mais pequenina do que eu, que não lhe servem.
      É a alma faladeira, é que vai pôr a minha roupa ao quarto delas, como a dizer que eu não devia vestir aquelas coisas. E eu perguntei? :)

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