10/01/2019

vulnerabilidades

Creio que nunca me tinha apercebido da existência de uma câmara de aflição na sala do veterinário, até ontem. Talvez porque eu própria ali tenha entrado assustada e apreensiva, carregando a minha cabeça a abarrotar de fantasmas, as pulsações latejando em todos os sentidos, a respiração desacordada num susto. Na véspera tínhamo-nos apercebido de um novo caroço na axila da Mia, e o pânico pela recidiva (ou nunca cura) da doença havia voltado. Era igualmente o momento de fazer o raio-x de despiste de metástases, pelo que a deslocação ao consultório tinha dupla razão de ser. 
Não sosseguei a alma quando a veterinária analisou o caroço e disse apenas não gostar nada da consistência dele. Fez punção, colocou o conteúdo em três lamelas e preparou tudo para enviar para análise de laboratório no mesmo dia. A Mia portou-se como uma senhora, sem um ai, sem um rosnado, sem uma tentativa mais radical de se libertar de tantas mãos - as minhas incluídas - que a prendiam. 
Esperava a revelação do raio-x quando ouvi soluços na sala de entrada. Dirigi-me para lá em ânsias e vi uma mulher adulta com qualquer coisa de bastante pequeno nas mãos, postas em concha fechada, como que numa oração. Quando as entreabriu, ouvi-a explicar que "ele põe três ovos por mês, este mês ainda não pôs nenhum, costuma ficar assim paradinho quando põe, mas nunca como hoje". Percebi então que se tratava de uma fêmea, apesar da referência no masculino, de um pequeno papagaio verde. Levado às pressas para a sala de cirurgia, para ser posto a soro e oxigénio, deixou assim para trás a dona inconsolável. Ainda ensaiei uma tosca tentativa de alento, mais em busca de convencimento próprio, com um inseguro "tenha calma, vai ver que não é nada", quando nem sequer nas minhas palavras acreditava. Calei-me imediatamente, pois as lágrimas dela contagiaram as minhas e precisava de manter as forças para o que viesse a seguir.
Revelado o raio-x, a veterinária deu-nos a única notícia boa daquela visita: pulmões "limpos", por ali não há "nada". No entanto, insistiu na muito provável "maldade" do caroço. Aguardamos uma semana, de credo nas mãos e coração na boca. 


10 comentários:

  1. Quando os animais nos são família é uma aflição, são extensões de nós.
    Sempre tive animais na casa da minha Mãe e nos momentos de doença, de despedida ficava sempre um buraco.
    Tivemos um São Bernardo que esteve connosco 18 anos; um Rouxinol 16, um cavalo 36 anos, companheiros de vida que também nos consideravam família, certamente.

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    1. Estou a tentar preparar-me, mas a sentir-me impreparada para o que poderá vir da biópsia. Gostava tanto que a veterinária estivesse enganada!
      A Mia está connosco desde as 3 semanas de vida, era minúscula quando veio, e faz 10 anos em Março. Já não me lembro da minha casa sem ela.
      Nem quero imaginar...

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  2. Como te compreendo! Tive um gato, lindo, branquinho, que no final de vida teve imensos problemas desde cancro numa para, problemas na tiróide e insuficiência cardíaca. Cada vez que ia ao veterinário era uma angústia terrível. Quando morreu tive um desgosto enorme. Só me consolava pensar que apesar de todas as maleitas teve uma vida feliz.
    Também fiquei apreensiva com as notícias sobre a Menina Gata mas vamos esperar que não sejam tão mas como sempre imaginamos.

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    1. Sim, acho que estou nessa defesa, de esperar o pior, para ter uma surpresa boa, ou então não ser surpreendida de todo. Nunca tive que mandar abater nenhum animal, e só a ideia me aterroriza. Não imagino o momento, não quero isso para ela. Mas também não a quero ver sofrer inutilmente, até ao limite do insuportável.
      Vamos aguardar, com esperança de “seja o que Deus quiser”, como se costuma dizer.
      Obrigada, Ana.

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    2. Não é a altura para falar disso, mas por muito doloroso que seja por vezes é a melhor solução. Sei-o por experiência.

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    3. Tens razão, Ana. Nas duas afirmações.

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  3. Os peixes custam-me menos a ver desaparecer, ou padecer, mas mesmo assim, custa.
    Com animais de grande porte que ainda por cima estão connosco no "nosso cantinho" há anos, custa MUITO mais.

    Hoje uma das minhas Guppies pariu, fiquei feliz. A felicidade é feita destas pequenas coisas.

    Beijinhos e pequenas coisas **************

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    1. Eu nunca percebi bem o porte dos animais, versus porte no nosso coração. Há meses, quando morreu (por minha culpa, ainda por cima), a minha bico de lacre (Bianca), tive um desgosto como se fosse um animal maior, e a verdade é que ela só tinha seis gramas :(
      :)
      Percebes?

      Parabéns pela tua recém-mamã (mas olha, as guppies não fazem mais nada na vida. Que o senhor me perdoe, mas acho que até parem mais do que defecam)!
      Mas ficamos felizes quando há um nascimento (ainda por cima, massivo) na nossa casa :)
      Beijinhos

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    2. Se reparares eu referi o porte em conjunção com o tempo que esteve connosco e o facto de frequentar as nossas zonas pessoais.

      Eu acho que existe uma correlação entre o porte do animal e o afecto gerado, sendo que - na minha opinião - um animal de grande porte gera uma ligação forte com o seu dono mais rapidamente, do que um menor, sobretudo se tivermos dezenas (ou centenas) dos menores.

      Eu já tive muitos bicos de lacre e nunca é fácil, mas nunca foi desgosto vê-los partir, já cães que viveram comido 10, 12 ou no caso maior longevidade 8 anos, foi MUITO mais complicado. Sempre tivemos apenas um cão em casa e vê-lo partir é sempre desolador.

      Agora adoptámos recentemente o "Piruças". Ele não é fofo nem bonito, não dá mão, nem aceita festas, mas de certeza que a culpa não é dele, mas da besta que o abandonou, ainda por cima, percebe-se que é um cão adulto, portanto a pessoa teve-o uns anos e depois... descartou-o.

      Beijinhos que não se descartam ***************

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    3. É verdade que são desgostos/ penas/ situações totalmente diferentes, mas, no meu caso, aconteceu tudo à escala: para peixinhos, um “Oh”, para o passarinho muitas lágrimas, para a minha gata Mel, um desgosto enorme. És capaz de ter razão, a escala é o tamanho, porque quanto maior o animal doméstico, mais intensa é a interação.

      Grande “Piruças” :)

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