também é isto: a pessoa é fiel detentora de uma viatura automóvel, que responde pelo nome de Rosinha, minha canoa, que, por sua vez, possui uma coisa debaixo do banco do passageiro da frente, à qual não consegue atribuir um nome. Trata-se de uma espécie de caixa de metal, não sendo, no entanto, uma caixa, uma vez que não tem tampa. Porém, tem uma abertura, numa das faces, por onde tudo entra e fica. E, quando digo, tudo, quero significar, exactamente, tudo. Qualquer miudeza que caia da mão direita do condutor, ou de qualquer mão do passageiro-pendura, enfia-se pela lateral dos bancos, e eclipsa-se para lá. A dita abertura da dita coisa é bastante pequena, pelo que não permite a entrada de uma mão, e, quanto a dedos, estamos conversados, pois só entram ali dois ou três, impossibilitando-os de alcançarem o fundilho, transformando qualquer busca numa sessão de contorcionismo inútil. Já para lá refundi acessórios do cabelo, a chave de abertura do telemóvel, as costas do telemóvel — que recuperei com um palito de sushi, um torcicolo, três cãibras e um esgotamento nervoso —, dinheiro (sim, comprovei-o hoje, mas não sei afiançar a quantia certa), e só o Criador saberá o que mais.
Então, aqui há dias, enfarpelada com um sobretudo alapado ao torso e todo abotoado à frente, e, num largo gesto, não de abnegação, como é meu apanágio, mas sim de impaciência — porque outra das características peculiares de Rosinha é a de que o cinto do passageiro fica a bater tac-tac-tac quando ele sai de Rosinha —, na tentativa, em pleno andamento, de esticar o referido cinto, hei-de tê-lo feito com tal convicção que, assim me estiquei para a direita em diagonal, assim me saiu a jacto um dos botões do casaco, mas isto com uma violência tal, que dei graças ao cosmos de não me ter acertado numa das vistas. Ao invés, disparou lá para o canto, entre a porta e o banco, e nunca mais o vi.
Estou, aliás, convicta de que, debaixo daquele banco, está Nárnia. É toda uma outra dimensão, um verdadeiro universo paralelo. As coisas, simplesmente, incorporam de alguma forma alternativa, saem do radar, desintegram-se.
Mayday.
Estou farta de procurar a m. do botão, e ele não aparece. Já fiz pesquisas dentro e fora do carro, já usei a lanterna, já tirei fotografias ao interior (tenebrosas, irreais e indecifráveis), já subornei o rapaz para que tentasse por sua conta, já só me faltou enfiar-me, eu própria, lá dentro e transformar-me numa ameba proteus. Ainda agora, fiz a enésima tentativa e, após um momento Carochinha, em que encontrei vinte cêntimos (será o botão, transmutado?) e mais três arranhões nos dedos, o coiso não apareceu. Deve estar, feito parvo, a rir-se de mim, lá com o mundo de cenas, de entre objectos e, quem sabe, animais, que já foram ali parar antes dele.
E não, não adianta equacionar a solução do botão sobresselente, que esse deve existir, mas eu também o extraviei algures, para uma qualquer caixa lá do lar, onde repousam todos os botões extra que a roupa nos fornece, e deve estar cheia deles, pertencentes a peças que eu já nem sei quando e por que é que comprei. Ou então, juntou-se ao outro, e vivem agora, felizes para sempre, em Nárnia, metamorfoseados em unicórnios.
Chiça.
Também tenho uma caixa dos botões que "nunca servirão para nada", falta-me uma caixa de metamorfoses no carro mas vou ver se consigo arranjar. Macaquita queria tanto um unicórnio...
ResponderEliminar(Uma vez que mandei limpar o carro, quando o senhor o foi entregar, deixou-me um saquinho com brinquedos de macaquitos, 7€ e QQ coisa em trocos, uma nota de 5€ e mais uns quantos parafusos e lixo). Paguei 10€ da limpeza, por isso, foi só lucro.
Vou continuar as buscas, Be. E, mal encontre o unicórnio (o botão), agarro-o pelo unicorno e ofereço-o a Macaquita.
Eliminar(Eu estou convencida que, um dia que este carro vá a um daqueles elevadores mecânicos, vão dar com uma família de gnomos a jantar no chassis.)
Voto em Nárnia. Sempre. ;)
ResponderEliminarProvavelmente, eu também. (Se falo com os animais...) :)
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