02/03/2018

minha chuva, meu vinho

Logo eu, que detesto chuva.
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Alcoólicos e famosos, grandes escritores foram eles todos. Grandes porque enormes, com vasta obra, reconhecida e eterna por inesquecível. Lembro-me sempre, para exemplo, de Hemingway, mas houve Tennessee Williams, Scott Fitzgerald, William Faulkner, e tantos mais. Mais bebiam, melhor escreviam.
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Preciso da chuva que detesto, não para escrever sublimemente, quem sou eu?, mas para desencravar textos que se me encrustaram no peito sem que os consiga libertar, quanto mais escrever, que é o limite da linha da agonia. 
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Já não sei como é que aquele lencinho de papel lhe foi parar às mãos, agarrado com o desespero e a raiva de quem luta pela própria vida. (Também estou velha, e, por isso, perco o essencial dos acontecimentos, guardando só o supérfluo.) Posso ter sido eu a dar-lho, como pode ter sido a enfermeira, ou até já o tivesse entre os dedos. Sei apenas que a vi agarrá-lo com todas as forças. E depois começar a desfazê-lo em bocadinhos pequeninos, soltando-os como pétalas de uma rosa amachucada que lhe deram em tempos, há demasiado tempo para que me lembre desse não essencial. Foi-mos atirando para cima, um a um, como pedrinhas, olhando-me nos olhos, e havia neles a clara intenção de me acertar.
Agora que penso nisso, se tivessem sido pedrinhas, não me teriam doído tanto. Acontece que, naquele dia, eu tinha o coração pequenino, incapaz de perceber o abandono.