08/12/2017

Ela fala tanto # 20

À procura de camisolas quentes — conceito que, depois de revirado o gavetão da cómoda, concluo que desconheço —, dado o degelo dos últimos dias, apercebo-me que tenho cerca de (não contados, este é um número aproximado, pelo que tanto podem ser mais como menos) dez casacos de malha pretos, ora de decote em V, ora de decote redondo, ora com um folho na ponta da gola, ora com uma transparência de lado, ora com um laço a fechar o cimo da abotoadura. Dez, para aí. Quanto a camisolas quentes — lã, gola alta, enfim, que não deixem passar o frio pelos recantos —, umas três. 
Dá-se que também sou um nico faladeira, mais porque penso alto do que porque precise de comunicar ao Mundo estas coisas, e aconteceu ter comentado com ela — que ciranda constantemente ao meu redor — a seguinte realidade: "Não sei para que preciso de dez casacos de malha pretos. Se o Mundo acabar amanhã a casacos pretos, tenho a minha sobrevivência garantida".
No dia seguinte, mostra-me ela uns botins vermelhos que as irmãs lhe ofereceram pelos anos. "Muito giras", limitei-me e contive-me. 
- Por falar nisso [só eu sei o quanto temo as frases dela começadas por "por falar nisso"], outro dia [fora no dia anterior] estava-me a dizer que tem dez casacos de malha pretos, já viu como está este meu casaco de malha vermelho? Tão velho que estou capaz de o deitar para o lixo. Estou mesmo a precisar de um novo. 
...
...
...
Isto assassina-me o espírito natalício. 
Uma m. de um casaco de malha, de qualquer cor, custa uma m. de seis euros. (Na Primark*, pelo menos.)
É não me pedirem, e têm de mim um rim, um olho, um pulmão, a minha medula, o meu sangue para lá do impossível. 
É pedirem-me desta maneira deslavada, e têm de mim um coice, porque isto é para lá do indecente. 
Vou comprar-lhe um casaco de malha verde, que é para aprender a não ser pedinchas. 

* NMPPI

6 comentários:

  1. Estas subtilezas são umas desmancha-prazeres, não são? E dá um valente pontapé na questão da hora, que é a boa-vontade e a partilha e tal.

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    1. Estragam a intenção, pervertem o significado, transformam num evento comercial essa tal partilha, pois. E parte isto de uma pessoa que, em vinte anos, jamais deu um tareco, uma bugiganga que fosse, aos meus filhos (tal como a mim, claro).

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  2. Isso não é lata, é grande lata.
    Compra amarelo, parece que está na moda :D

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    1. Madame faz-me encomendas do que deseja para o Natal, não vá eu errar na escolha. É precisamente com estas pessoas que eu adoro errar :D
      (Amarelo, cor dos malucos? Olha que rica ideia, em matchi-matchi com os botins... :))

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    2. Oi?! "Cor dos malucos?!?" (vê lá se queres levar com um sapato da Neuza!)

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    3. E o que eu gosto de amarelo? Existe uma explicação psiquiátrica para tal? (Espera. Referes-te àqueles sapatos-não-consensuais-Louboutin-que-se-cuide?)

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