10/11/2017

Eu tenho problemas com tudo # 29

Sei que entrei naquele parque de estacionamento ainda não eram 4:30 da tarde. 
Tirei o bilhete à entrada, não só porque não havia Via Verde, como também porque, ali, as duas primeiras horas são grátis, e estacionei Rosinha. Fui à minha vida e voltei. Entre tirar o bilhete e voltar ao carro não passaram mais do que quinze minutos. 
O bilhete não estava na mala, naquela bolsa específica onde sempre os ponho, já por causa das coisas. Não estava na outra bolsa. Não estava na do fecho. Não estava entalado no porta-moedas. Não estava misturado com os mil papeis e o lixo todo do interior da mala. Não estava no tablier. Não estava no chão do carro. Não estava no tecto do carro. Não estava neste Mundo. Como um anjo alado, fora-se. Sumira-se no ar.
No ar, também o meu suor. Passei, então, ao Plano B: despejar a mala. Porque tinha que ser na mala que o tinha posto. Vi bloco a bloco, agenda a agenda, papel com anos a papel com anos, e nada. Parei para respirar, saí do carro, tentei raciocinar as possibilidades várias para explicar aquele sumiço. E também as que se me apresentavam, caso não encontrasse o bendito: qual é a tarifa máxima diária — que é o "preço" do bilhete perdido, conforme sabeis —, tendo em conta duas horas grátis? Quis multiplicar zero por zero, para não piorar a minha situação, mas piorei. Sabia perfeitamente que: 
A. Encontrava o cartão;
B. Não encontrava o cartão:
    i) Pagava a tarifa máxima diária;
    ii) Fazia uso de eyelash power e o responsável lá se compadecia e abria a cancelinha;
  iii) O responsável era uma mulher, pagava a tarifa máxima e ainda era enclausurada numa catacumba qualquer, despojada de todos os meus bens e raciocínio lógico.
Meti-me corredores afora, a pé, até à entrada do parque, pensando na possibilidade de o ter deixado cair quando o retirei da coluna. Mas também não estava lá. 
De volta ao carro, despejei a mala pela terceira vez, procurei de novo, liguei a lanterna de Ai-fostes, procurei em todos os recantos possíveis e imaginários — esses mesmos, que proporcionam posições à pessoa de uma elegância digna de registo fotográfico —, mas o c. do bilhete não apareceu. 
Toda eu era suor, desânimo, raiva e vontade de chorar de abandono e frustração e tudo o que assiste a uma mulher nestas horas. (Ninguém nos dá o nosso devido valor.)
Desisti. Há sempre um momento, em todas as lutas, em que o guerreiro, por mais bravo que seja, baixa os braços. Se não há, devia haver. Eu baixei os meus ao fim de quinze minutos de enfardar pancada.
Arrastava-me, pesarosa, para o gabinete do segurança, quando vi um bilhete no chão, a uns cinco metros do meu carro. Hora de entrada, 16:24.
Se não era o meu, passou a ser. Naquele momento, perdera todo o civismo, e tinha como único objectivo de vida sair daquele parque. Se fosse outro o dono daquele bilhete, paciência, pusesse-se ele de rabo para o ar dentro do carro dele, e tratasse de encontrar outro bilhete, de outro avoado da vida. 
Depois até segui as setas que indicavam a saída, mas, quando alcancei a rampa para subir para o exterior, elas estavam desenhadas em contramão. Posso ter saído pela entrada, sim. Mas saí. 


6 comentários:

  1. Muito provavelmente o dono daquele cartão foi o que encontrou o teu cartão...

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    1. Olha, não tinha pensado nisso! Antes assim, ninguém saiu (do estacionamento) prejudicado...

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  2. ii) Fazia uso de eyelash power e o responsável lá se compadecia e abria a cancelinha;

    (Ninguém nos dá o nosso devido valor.)

    Eu internava-te! :)

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    1. Ah, essa era A solução! Comida na mesa e a horas, deitar cedo e cedo erguer, e jogar joguinhos com os companheiros da PDL :)

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    2. Tu é que dizes ter problemas com tudo. Apanhei a sugestão. :)

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    3. É com demasiadas coisas, que parecem tão corriqueiras para os outros. Os abre-fácil, os facilitadores de tarefas, os óbvios do dia-a-dia, dão-me um nó na cabeça que depois, para o desatar, é outro problema :)

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