04/03/2024

Errare

Ainda não sei porquê e admito que nunca vou saber, meti-me um destes dias no supermercado. Já na fila para pagar, lembrei-me do bolo do caco, que não constava do meu cesto. Ali o abandonei e saí da fila, “Falta-me o bolo do caco!”, por acaso a pensar por que diachos se chama bolo àquele pão — já para não escalpelizar a palavra “caco” (monco? Burrié?) — e depois se chama pão àquele bolo de ló (e “ló” porquê? Por que não “dó” ou “lá”?) Pronto, já sei: devia estudar a etimologia das palavras antes de me meter aqui. Depois voltei para a fila, e “Ai, onde é que estão as minhas coisas? O meu carrinho?”. Estive mesmo para fazer um espavento, “Fui assaltada!”, mas depois lembrei-me que os bagulhos só são meus a partir do momento em que os pago. Foi quando percebi que estava na bicha errada. Enfim, só não erra quem não faz. 

Saí dali direitinha à loja de lingerie, entrei e disse à funcionária: “Olá. Eu sou a dos sutiãs.”. Isto porquê? Porque já entabulara diversas conversações telefónicas acerca daquela peça em particular, cor, tamanho, encomenda, já chegou, vou buscar, eu guardo. A pessoa, extremamente maquilhada (verde na parte não móvel da pálpebra, muito anos ‘70), respondeu-me assim: “Eu não sou daqui, sou de Odivelas.”. Curioso — pensei, pondo a cabecita de lado, como fazem as galinhas quando estão baralhadas (amiúde) — já não é a primeira vez que esta retro me responde isto quando a abordo. Será que diz o mesmo a todas as freguesas? Para a próxima, entro na loja e digo: “Eu não sou de Odivelas, sou daqui.” Só para ver o que é que acontece. 

Deslindado o imbróglio, chegámos à conclusão que as negociações que eu havia entabulado não haviam sequer tido lugar com alguém daquele espaço comercial, mas sim de um outro, para lá da Estefânia. Tudo culpas do Google, que uma pessoa põe “loja de x no lugar y” e o destravado apresenta-nos o lugar z. Não importa, a verdade é que estava tão empenhada na aquisição que me despedi da de Odivelas e determinei-me a zarpar Rosinha, minha canoa, até para lá da Estefânia. Acerco-me da viatura e deparo-me com um idoso, dentro do carro estacionado ao lado, a ver no telemóvel mulheres sem sutiã. É o mal de darem smartphones àquela faixa etária, coitados. Depois enganam-se e vão parar ao inferno, ou ao céu, ou lá o que é.