Quando tu, mulher, desconfiares que algo está errado porque alguém mexe no teu corpo, é porque está. Não estás errada. Deixa-te de dúvidas, “Será que…?”, “Não pode ser…”, “Sou eu que tenho a mania”. Não, não és: os abusadores não têm escrito na testa “tarado”. Das duas vezes que fui atacada — mesmo, com perseguição e encurralamento — eram homens novos, fato e gravata, malinha de cromados.
Outra vez na fila do supermercado. Tinha ido comprar só batatinhas para assar, postas num saco de rede. De repente, sinto um toque na cauda (vá, não me obriguem a chamar rabo ao meu rabo), que deslizou um pequeníssimo instante sobre o meu vestido. O primeiro instinto foi puxar as batatinhas atrás, com a intenção de as espetar na cara do fdp. Virei-me em décimos de segundo, à espera de um rapazola da escola profissional, para se gabar aos amigos, ou um bêbado qualquer, mas deparei com um senhor, muito bem posto, que, naquele momento, muito providencialmente, mexia nas suas próprias compras. Aí é que me vieram as dúvidas, “Foi impressão minha”, “Dou-lhe com as batatas no focinho e ainda cometo uma injustiça”, etecetera e parva. Paguei, as lágrimas a quererem chegar no pior momento, como sempre, saí para o vento e admiti a mim mesma: “Não foi nada impressão tua, devias ter-lhe enfiado batatas cruas até à garganta e, simultaneamente, demonstravas naquele lugar a quantidade de palavrões que uma senhora sabe aplicar no momento certo”.
Nunca se esqueçam disto: não há impressão ou desconfiança ou dúvidas, de que alguém, sem o nosso acordo, nos está a tocar. Está. Sempre. Mesmo.
(Em casa, perguntei a uma das crianças se estava ordinária, dentro de um vestido roxo de gola camiseiro, não curto, não justo, e ela ensinou-me: “Até podias estar nua, o problema não está em ti, está nele”.)