Isto de teres mandado aparelhar a dentadura numa idade em que já devias estar mas era a colocar a placa, com todas as alcavalas que daí adviriam - a melhor cola, a melhor escovagem, os melhores recipientes para mergulho da prótese -, tem também estas pequenas contingências de passar a vida no dentista. Em vez da dentadura postiça, estou em processo de alinhar a esquadro a minha própria, e se já era uma "taxa arreganhada", como diz o povo, ou seja, uma pessoa humana de sorriso fácil, imagine-se quando minhas vinte e várias porcelanas luzirem ao sol e também no escuro. De qualquer modo, apesar dos pesares - parquímetro zona vermelha, uma agulha no palheiro para encontrar um lugar para Rosinha, esperas de cerca de meia hora na sala -, gosto de lá ir, pois trago sempre comigo pequenas ofertas (mini-pastas de dentes, caixinhas com silicone para os arames), e a mim, quem me tira um grátis, tira-me um rim.
Deu-se, no entanto, aqui há um bom atrasado, que andava com tosse no dia em que lá me deitei na cadeira, numa horizontal perfeitamente oblíqua - cabeça para baixo, pés para cima (estou sempre a ver quando é que resvalo e vou dar com a mona no soalho -, e foi no preciso momento em que me encontrava de boca escancarada e com algumas ferramentas lá dentro, que me adveio a irreprimível vontade de tossir, que aguentei até perto da asfixia, na esperança que 1. passasse, 2. só tivesse que tossir quando ele me desse autorização para bochechar, ou assim. É claro que nem 1 nem 2, por isso, quando já revirava os olhos, que, por sua vez, me saltavam das órbitas, subitamente movi-me: sentei-me - felizmente, nenhum dos instrumentos era A broca -, e tossi até às lágrimas, sem dar qualquer explicação, até porque não podia. Ele então sugeriu-me que levantasse a mão esquerda, da próxima vez que tivesse uma emergência daquele tipo, e eu, que perco sempre boas oportunidades para ficar calada, inquiri assim: "Não pode ser a direita porquê? Essa está reservada para bater no dentista?", só que ele, ou porque está habituado à pergunta (note-se que é dentista de crianças), ou porque tem bom sentido de humor, respondeu: "Não, porque, antes de tudo isso, a mão direita batia na mesa de instrumentos".
Bem pensado, meu dentista. Mas, se fosse eu, não subestimaria a possibilidade de um bom gancho de esquerda. (Não meu, que sou de uma delicadeza olímpica, e sou pouco dada a dores ao nível da cavidade bucal, mas sei de casos.)
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