É por isto que este país não vai para a frente, por causa de pessoas como estas, que baixam a cabeça e nunca protestam, vociferava ela, um tom acima da fala, um tom abaixo do grito, brandindo o braço na minha direcção.
Tínhamos feito uma aula de dança com o ar condicionado ligado em trópicas temperaturas. Vá que já havia experimentado uma hora de pedaleira, em pleno Verão, com o ar condicionado desligado, agora dançar com o ar no quente, é que nunca me ocorrera. Ela foi das primeiras a protestar, sacudindo os caracóis grisalhos, ajeitando os óculos, soprando para a própria blusa. Congestionada, afogueada, transpiradíssima, saiu da sala atrás de mim quando cruzei a porta, com vista a pedir que baixassem a temperatura do ar. Cruzámos caminho com uma funcionária que, aflita, se limitou a dizer a verdade: que não sabia o porquê daquele ocorrido, que já tinha reportado, que o técnico ia verificar, que não podia fazer mais nada senão o que já tinha feito.
Talvez noutras circunstâncias lhe pedisse explicações para a falta de explicações, mas nem essa oportunidade tive, pois ela, em plena revolta, não o permitiu, cilindrando a rapariga, num Português pouco inteligível, com um questionário que embrulhava exigências e direitos de cliente, consumidor, pagante dos ordenados daquele espaço, toda uma panóplia de argumentação que eu própria usaria, eventualmente num outro tom, mas que me calou a mim a vontade de explanar e ouvir mais do que já ouvira.
Entretanto, a aula decorria, assim como decorreu até ao final, da mesma forma aquecida pela máquina, e já não tanto pelo ânimo desanimado, ou sequer pela animação que é o simples acto de dançar. Assim que terminou, dirigi-me ao balcão da entrada, com vista a fazer uma pergunta que nada tinha a ver com o assunto ar quente. E veio ela novamente atrás de mim, eventualmente convencida que eu iria reclamar por escrito, falando alto em abaixos-assinados, em queixas no livro de reclamações, em manifestações várias de desagrado pelo sucedido, argumentando que, quando vão ao banco cobrar a minha mensalidade, se eu não tiver lá cachet [rolling eyes] para a pagar, cobram-me logo quatro euros de multa! Quando lhe disse que não estava ali para redigir um abaixo-assinado, nem poderia assinar uma queixa conjunta no livro, já que estas são uninominais, ela virou a raiva e a revolta contra mim e acusou-me de ser parte daquela tal raça de gentes que baixa a cabeça e nunca protesta. Logo a mim, que sofro de uma extrema dificuldade em manter-me em silêncio, assim o motivo o justifique, os companheiros de armas estejam à altura e, sobretudo, não me apresentem a guerra perdida antes de ela começar, viciada por uma forma incorrecta, ainda que com um conteúdo justo.
(E fartinha de começar combates e, de repente, me ver sozinha no ringue, ando eu. Já dei para esses peditórios todos. I'm out.)
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