08/03/2014

Preciso de desabafar

Arranjei trabalho, sim pois. Numa base temporária, dizem eles, mas a mim cheira-me que fui para ficar, só que contrariada. Se gostasse daquilo, a esta hora estava a lamentar o facto de ser por um mês. Ainda só estamos a 8 e eu só almijo (repetez avec moi: "ALMIJO") pelo dia 31. Março devia ter 28 dias. O local é agradável, limpo, arejado, confortável, luminoso. Chego lá em 15 minutos, embora isso signifique que regressei às minhas lides de metro, que odeio. Em escassos cinco dias de trabalho, até à frente de uma sem-abrigo já vim sentada. Ah, e defeco para quem esteja a pensar que eu sou cruel e desumana com a miséria dos outros. É que não, mas o cheiro a urina e lixo entra-me pelas fossas do lindíssimo acima e isso significa uma apneia que eu não quero nem tenho nada que fazer. Também me odeio quando sou esta titi limpinha e cheirosa e me vejo obrigada a conviver com estas "realidades". As pessoas do novo trabalho são todas simpáticas, menos uma. Mas eu já passei por isto e simpáticas são todas até ao dia em que lhes salta a mola da descompensação, e aí entorna-se o caldinho verde. Fui apresentada a toda a gente no primeiro dia, ou seja, a vinte pessoas, das quais não retive um único nome. A senhora que trata do economato tem um TOC com borrachas, lápis, agrafadores and so on, de maneira que me entregou uma série de merdas com as lágrimas nos olhos. Estive tentada a perguntar-lhe se preferia que levasse de casa. Até os clips contou. Deu-me um molhinho para a mão e teve um ataque de ansiedade quando eu a fechei e ela deixou de os ver. Depois constatou que eu já tinha um fura-papeis e os mesmos olhos gritavam-me "Devolve-me o fura, se não precisas dele!", enquanto os meus gritavam "Vai-te tratar, maluca!". Também temos uma anorética, que deve ter quase o meu tamanho e pesa 40 Kg. E vive obcecada em engordar. E a chefona máxima, que é daquele género que sorri com os olhos em linha, estende a patita para cumprimentar outras mulheres, principalmente aquelas que, como eu, não lhe foram prestar vassalagem logo no primeiro dia e, portanto, decidiu, eventualmente, odiar-me. É recíproco, amor. A outra antipática é uma espécie de chefe, ou pior do que isso. Aquelas autoridades intermédias ao estilo encarregada das limpezas, que já foi mulher de limpezas e agora manda e abusa. Como o capataz dos escravos que, não sendo o dono deles, é mais cruel e mais vingativo do que se fosse. A figura em causa nunca sorri. Jamais. E ontem disse a seguinte frase:

- Nós temos um cliente que é o caralho [Linda Porca sentada na cadeira a pensar que ia entrar um avião pela janela e, portanto, já que era o fim do mundo, a senhora tinha perdido o tino]. A primeira vez que falei com o homem ao telefone e ele me disse que se chamava Caralho, eu nem queria acreditar. Afinal era Carago, mas eu levei muito tempo a perceber que não era Caralho. E também temos outro com um nome esquisito, mas eu não me lembro qual é [Linda Porca catatónica, ainda a conseguir raciocinar a seguinte pérola: "Será Cona?"]. Mas é assim esquisito como o caralho. Não me lembro do nome [Deus é grande].

Pronto, isto tudo sem um sorriso, uma gargalhada, um mover de sobrancelhas. Que situação do genital masculino. 

Ao quarto dia, decidi que não punha lá mais nada. Nem os pés nem o resto deste todo tão bem acabado. Cheguei a casa, liguei o skype e falei com o melhor, o maior e o mais querido de todos os meus amigos, que está quase a 6000 Km de casa e de mim. Disse-lhe o quão odiava aquele sítio, o método de trabalho (com zero margem criativa, com pressão de prazos espartanos, com as caras da outra do senhor Caralho, com a falta das gargalhadas, com uma eu-não-eu, que nem me reconheço ao espelho da casa-de-banho [por falar nisso, tirei uma fotografia à sanita, para memória futura], sem uma pausa, uma lufada de ar fresco. Uma paisagem tão bonita, mas que só dá vontade de uma pessoa saltar do 17º andar e voar dali para fora. E ele disse-me qualquer coisa que me tocou tão fundo, tão longe que está da família, tantos meses que ainda faltam para se/nos voltarem/voltarmos a ver e que eu posso sair, bater a porta à hora do fim do expediente e ir para casa. 

E é isto. Não mereço sequer pensar em lamentar-me, mas estou numa situação do genital masculino.


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