07/08/2023

É preciso tão pouco para me fazer feliz # 16

Não sei se as pessoas já repararam que os nadadores profissionais, que até concorrem em competições, assim como as bailarinas da natação sincronizada, colocam uma peça no nariz para que a água não lho penetre e não lhes atrapalhe as performances. 

A pessoa que digita estas coisinhas também é assim: não pode permitir que a água — seja do mar, seja do rio, seja do lago, seja do poço, seja da piscina, seja da torneira, seja do charco, seja da Fonte Luminosa (da chuva nunca experimentei) — lhe entre narinas acima, qual teste de covid, caso contrário aquele jacto faz uma ligação directa com a garganta e é ver-me à beira-mar ou a qualquer beira de água a jorrar água por todos os buracos da cabeça, excepção feita às orelhas, acho.

Então, há muitos anos, comprei uma mola de nadador. Pus aquilo — e atenção que o meu nariz é pequeno — e pensei, em pânico, que mais valia ir à água com uma mola da roupa no nariz (quem nunca?). Arrumei a tralha e voltei ao sistema antigo: mergulhos de mão no nariz e a outra à frente, não fosse ali a passar um golfinho e se esbarrasse com a estranha. Mais tarde, comprei outra mola, mas acho que a perdi logo na gaveta dos trajes veraneantes e, tanto quanto me lembro, também não era lá muito confortável. Isto foram-se passando os anos e, teimosa, comprei a terceira mola. Só que esquecia-me sempre dela em casa. Até ontem, dia em que empunhei a dita, coloquei-a no nariz, primeiro ao contrário, depois correctamente, e lá fui eu até ao mar, todos por quem passava a olharem curiosos (“A tia partiu o nariz”; “A tia fez uma rinoplastia que correu mal”; “O piercing da tia é fixe”; “A tia pôs uma argola do gado para se sentir estupendaça”), esperei pela primeira onda daquelas grossas, com para aí trinta centímetros de espuma e a velocidade de uma locomotiva, e brrrrruuuum, passou-me ela por cima e eu com os dois braços à frente da cabeça, como convém.

Nunca mais poderei encontrar um rochedo, um banco de areia, um coral, quanto muito, parto um braço, o que é certamente melhor do que ficar numa cama toda a vida. 

Tenho a teoria, que acho altamente científica, embora ainda por provar, que o fenómeno da entrada da água no nariz destapado é de quem se viu obrigado a arrancar os adenóides. A água entra até ao cérebro, faz lá uma centrifugação qualquer, depois sai e está a gente todas desmanchadas, que parece que não nos ensinaram a nadar. Isto é bastante nocivo para a dignidade de alguém que, ainda por cima, já não vai para nova.