Claro que fui à Corrida Sempre Mulher, no passado domingo. Fiz um longo percurso, de muitos anos, para lá chegar: comecei como fotógrafa oficial/ claque da minha primogénita, depois fartei-me de correr de saltos altos para apanhar bons planos, arriscar partir um tornozelo ou mesmo um salto, e passei à fase da caminhada, mas depressa me aborreci daquelas paredes de gralhas teca-teca-teca, que não andavam nem deixavam passar, fiz uma caminhada em que corri metade e andei a outra metade, e depois acabou: sempre corrida. Nestes anos todos, falhei uma, faz agora precisamente um ano. Posso afirmar que já fazia um tempo razoável para a minha amadorice e idade, mas agora mudei um nico e a coisa processa-se com nuances várias.
Desta vez, foi o percurso dos Restauradores, que eu já disse cerca de mil vezes que prefiro mil vezes ao do Parque das Nações, por causa dos buracos, embora este último seja a direito e canse mil vezes menos. Já fiz um depois dos tratamentos e não se compara. O de domingo começa nos Restauradores e sobe toda a avenida da Liberdade. Digo bem: sobe. Uma pessoa larga a sentir-se uma lebre, passados cem metros já é uma mula de carga, quando atinge o primeiro quilómetro (pouco antes do Marquês de Pombal), já julga que se meteu na passadeira do ginásio com inclinação 40º e velocidade 18. Mas, porque aquele local é sagrado e já se comemoraram várias vitórias importantes para o país, siga. Ainda um bocadinho na ilusão de que o pior já passou, ataca a Fontes Pereira de Melo toda, que parece mesmo mais plana. Parece, mas trata-se de um trompe l’oeil misturado com esgotamento nervoso, portanto, ou dás à perna até ao Saldanha, ou sentas-te no passeio a chorar ranho.
Prossegui. A metade da corrida dá-se quase a meio da avenida da República, ali ao terceiro quarteirão, se não me falha a memória, já que, nesse momento, tudo me falhava, nomeadamente o pernil. Se, por um lado, a partir daí foi a direito e depois a descer, meu pobre coração, que tanto tem aguentado nesta vida, sossegou um nico, por outro, meus membros inferiores ameaçavam fazer saltar os fémures e tíbias e transformar-se em gelatina daquela que corre mal e nunca se consegue desenformar.
Nunca parei, nunca andei, foi uma corrida muito honesta (como são todas as minhas, senão não tem piada), e cheguei num olímpico e gigantescamente péssimo lugar, suada e feliz, com aquela certeza de que a meta existe, está ali/ lá ao fundo e é possível alcançá-la. O caminho é sempre em frente, como dizia o meu primeiro oncologista.