14/02/2025

Tenho um timor, senhora

Foi o que ouvi ao velho negro, quando lhe pedi mais uma obra na minha casa, que só me lembra a Casa Inacabada lá de baixo, da Expo, que as minhas duas filhas mais velhas um dia acabaram e foram expulsas do jogo, pois era suposto nunca se terminar aquela obra, como grande parte das públicas, que geram cadernos de encargos dignos de Eça, arrastamentos e deslizes de prazos de execução e orçamentos finais engordados como porcos para a matança.
Não sei por que escrevo tudo isto, quando venho apenas aqui contar que entrei em 2025 com os pés tortos, ainda por cima na ilusão de que estava a bailar uma dança sabida de cor, até de olhos fechados. Apanhei o susto destes últimos três anos, quando o médico me disse: "Tem um lipoma, se calhar vou ter que lhe cortar um bocado do intestino", isto eu ainda desacordada de um sono bom e justo (paguei-o, não é?) e sem sonhos — prefiro não os ter, desde miúda que sofro de terrores nocturnos e depois de graúda acordo cônjuge com gritos, choros ou, mais raramente, gargalhadas, no lugar dele eu já tinha mudado de quarto —, tudo o que termina em "oma" me congela de medo, eu "Ó senhor doutor...", já a pensar "Olha, queres ver? Agora são timores atrás de timores, vai um deles um destes dias e leva-me embora daqui", mais exames, mais análises, mais esperar por resultados (escutem, que eu não duro sempre: mais cruel do que qualquer exame — qualquer — é a espera pelos resultados), mais nervos, mais pensamentos com palavrões, mais preparação para mais uma cirurgia. Depois de dias intermináveis, eis que surgem relatórios de sol e luz, cirurgia desnecessária, timor benigno, gordura no intestino, conclusões à gaja: “Agora sou gorda no intestino. E se eu pedisse ao médico para me tirar o oma e, de caminho, recolocar-me a cintura de solteira, eu era a ´Vespa´ para um colega de faculdade” que, por acaso, morreu ontem. Estamos velhos. Nunca mais terei cintura de vespa, ele nunca mais coisa nenhuma. 
Vou viver com o meu timor com alegria, festa e dança, até me cansar dele. Ou ele de mim.