Chegava da rua com três insignificâncias no saco, e estavam de um azul igual ao do céu de hoje os olhos do homem de rabo-de-cavalo e grandes entradas, arrumando coisas na bagageira. Viu-me, endireitou-se e disse Bom dia, eu instintivamente repeti o cumprimento sem saber de quem se tratava, mas depois estaquei diante dele, Ah, o ucraniano que faz toda a obra nas casas e também já esteve na minha. Viu-se obrigado a deixar a minha obra a meio, por ter que ir à sua terra natal, visto que o pai piorara da doença. Por lá ficou seis meses mas, quando voltou, ainda a guerra não rebentara e o mundo vivia na santa paz das inflações.
Perguntou-me se estava melhor, eu disse que sim, mas ele não ficou muito certo disso. Expliquei-lhe da vigilância apertada, das análises, exames, consultas, medicamentos, e ele, com os olhos cada vez mais azuis e cristalinos, disse-me: “Tens os olhos a brilhar”. Respondi a primeira coisa que me veio à cabeça, “Custa muito não poder sonhar a longo prazo”. “É uma guerra. O meu pai perdeu essa guerra”, e era mágoa em estado líquido que lhe ondulava nos olhos, sem nunca os baixar. “É uma guerra, sim. Uns morrem, outros não.”