13/02/2023

A última de umas quantas tristezas

Dia da última injecção de Trastuzumabe. Nunca decorei este nome, agora mesmo fui ao Google confirmá-lo. São dezoito ao todo, no espaço de um ano. É um processo muito demorado: venho cedo, apanho o trânsito da hora de ponta, a fila para o estacionamento, a senha para a triagem com rodos de pessoas antes de mim, e depois uma hora de espera para que a injecção seja preparada e a seguir enviada para a Oncologia. Mas tenho cabelo, que cresce encaracolado, posso pintar as unhas, ainda tão frágeis, posso pôr saltos altos se não abusar da sorte, posso ser uma aproximação de mim.

A sala de espera abarrota de gente doente. Ninguém se queixa, ninguém solta um ai, a maior parte está só ali. Uma mulher, de sapatos-pantufa e gorro de lã, costura qualquer coisa que não entendo, ora com a mão esquerda, ora com a direita, bocadinhos de pano à volta de uma rodela de plástico, que também é caixa de agulhas. De vez em quando, cai-lhe uma coisa para o chão, a agulha, a caixa, uma bolsinha com padrão de bonecos cheia de rebuçados que se espalham no chão. Diz a quem lhe pergunta que está a fazer “florzinhas”. Deve estar louca.

Está um homem com os olhos muito abertos, pregados a pregos ferrugentos no vazio, com um interesse tal, que juraria estar a encontrar respostas para todas as questões que ainda o atormentam.

Uma mulher fala ao telefone uma língua que não entendo, como acontece com quase toda a gente.

Disse-me uma enfermeira em tempos que os que têm cabelo são os casos mais graves. Pâncreas, fígado, intestino. Olho para eles com olhos diferentes, já não lhes invejo o cabelo.

Entra uma mulher dressed to impress: casaco e calças cor de tijolo, uma pele de coelho na gola e punhos, blusa branca de lamé, carteira de péssima imitação da Birkin, Hermès.

Um homem chega a arfar, assim fica durante largos minutos ao meu lado, depois tranquiliza-se. Parece que correu a maratona, mas creio que a caminhada de vinte metros desde o elevador foi suficiente.

Há muitos velhinhos neste circuito infernal. Nunca ninguém disse que a vida é justa.

Eu, por mim, saio hoje com o alívio da certeza (ou, pelo menos, a esperança) de não voltar, a não ser para consultas. Vou-me embora cheia de marcas, nem uma única saudade.