Bati todos os meus recordes de frequência de locais públicos temidos (como aquela ministra) numa só manhã: dois centros de saúde e uma repartição de Finanças em menos de duas horas.
Tudo começou nos anais, há meses, quando uma senhora enfermeira me avisou de que era conveniente pedir um atestado com vista à isenção de pagamento de taxas moderadoras. Já possuía um papel desse género, ainda argumentei que já fui dador de sangue, mas que não, que qualquer dia teria que pagar os tratamentos e essa ameaça pôs-me nas tamanquinhas e pés a caminho para o centro de saúde da área da minha residência, que era não me lembrar onde fica e juraria que era em Santiago do Chile, a avaliar pelas instalações do barraco que se arroga como tal. Lá me esclareceram que não era ali, que era acolari, mas que mandasse um mail para lá, que agilisava assim o procedimento. A bem mandada do costume assim fez, e vai que recebe uma resposta a solicitar uma data de papelada a comprovar que eu sou eu e que a doença é minha. Aparentemente, existem humanos que, para não pagarem cinco tostões por uma consulta e para estarem eternamente “de baixa”, forjam doenças. Reencarnem-me numa macaca, dá licença? Enfim, depois de ter enviado tudo o que me pediam, recebi como resposta que teria que comparecer a uma junta médica, a ser marcada a seu (deles) tempo.
Passaram-se largos meses, recebi a marcação e ontem compareci. Fui extraordinariamente pontual, e, talvez por isso, fui chamada cerca de quatro minutos depois de ter entrado. Tive a nítida sensação de que tinha entrado num tribunal com um colectivo de juizes, só que vestidos de branco: três médicas idosas, todas de óculos, todas de sobrolho levantado, até que me sentei na cadeira do réu/ arguido/ testemunha e todas desanuviaram os semblantes em simultâneo assim que eu disse “bom dia” e sorri. Perguntaram se levava relatórios e eu saco do meu dossier A4 com lombada alta e digo que sim, “Está aqui tudo, por ordem cronológica”. As três em uníssono e sincronia gestual, “Deixe estar, não é preciso, traga-os daqui a cinco anos quando fizer a reavaliação”.
Foram menos minutos de junta do que de espera. Dali saí com um atestado de incapacidade para aturar fretes e duas cópias: uma para o centro de saúde de Santiago do Chile e outra para a respectiva repartição de Finanças. No tal barracão demorei talvez meia hora, pois tinha vinte pessoas antes de mim, mas as duas dos guichês aviavam à velocidade de um pum. Só tive tempo de entabular conversações com uma senhora que me disse que nasceu em 1940 e que lhe doía muito um ombro. Tive vontade de lhe dizer: “Peça uma mamografia à médica para anteontem”, mas refreei a PDM de ser mãe do Mundo ou paranóica de serviço, que, conforme se sabe, equivalem ao mesmo. E pronto, fui para as Finanças, a calcular quantas famílias da etnia lá estariam dentro e se não seria melhor ir noutro dia. Devia ser o meu dia de sorte, pois fui atendida como se fosse a rainha de Inglaterra (enquanto viva) e mimada até à moleza (“A senhora nunca se ponha na fila quando aqui vier, a senhora é prioritária”), até pensei que estavam a confundir-me com a Gisele Bündchen.
Senti-me com sorte, como naquelas pesquisas online, passei numa papelaria, ia jogar no Euromilhões, já tinha as moedas na mão, mas depois vi que havia cromos do Mundial e torrei-as todas, porque tenho mais necessidade de fazer uma pessoa feliz do que de ganhar a fortuna que, provavelmente, arruinaria o resto da minha vida.