11/08/2022

Incondicional

Excepcionalmente, hoje fiz tratamento de manhã. Mandaram-me estar lá às 8:30 e eu, obediente, assim fiz. Pode ter sido da hora do dia, pode ter sido da luz matinal assim triste, pode ter sido do meu próprio sono — a radioterapia dá-me sono; a quimioterapia dava-me sono; todas as anestesias que fiz entretanto me deram sono; também há pessoas que me dão sono —, mas o ambiente do salão de espera é totalmente outro, como se o espaço não fosse o mesmo: quem ali está, está verdadeiramente doente. Aquela é a recta. Um rapaz com pouco mais de trinta, apoiado na companheira, talvez irmã, talvez Simão de Cirene ou apenas Maria, todo cera, todo rosto de Cristo, arrastando os pés até ao calvário, uma senhora em cadeira de rodas, boca deformada, perna corroída, e aqueles dois: a mesma imagem, com algumas décadas de distância um do outro. O mais velho, muito velhinho, calças e camisa impecavelmente passadas a ferro, cabelo cuidadosamente penteado. O nariz preso a uma caixa de oxigénio, tossia forte, mas também fracamente, enquanto o mais novo lhe estendia lenços de papel atrás uns dos outros e o ajudava a limpar-se a cada acesso. “Quer outro, pai?”, e nisto os olhos envidraçados caídos nele, assim quieto e embevecido, num desvelo tão absoluto, que eu, que agora tenho uma pedra no lugar do coração, não resisti a molhar as pestanas.