16/10/2019

As minhas faneras e eu

Agora é isto: de quinze em quinze dias, ou catorze, se quisermos ser rigorosas, lá vou arranjar as unhas com Filipa, após pazes que houve que fazer, por conta de quase me ter arrancado as dez (e não as vinte pois nesse dia não estava a "fazer" os pés). 
Acho que já disse aqui várias vezes que tenho trauma com cabeleireiros, toda eu sou suor e lágrimas quando entro, às vezes sangue, como daquela vez em que Filipa me sangrou as pontas dos dedos até à chicha. Hoje entendi fazer dela minha psi, não que lhe pague para o efeito, mas porque me apeteceu tentar desbravar terreno pelos meus traumas afora. Quis entender o porquê de aguentar estoicamente a broca do dentista, mas, mal encaro com a tesoura da cabeleireira ou os cutelos da manicure, toda eu sou sofrimento mais ou menos em silêncio, se descontados os suspiros e as interjeições.
Foi então que me lembrei de que, quando era petiza, isto ainda estudante ao nível do jardim de infância, um galfarro que frequentava a minha sala de actividades, me entalou a mão direita na frincha da porta, com uma violência tal que uma das unhas saltou directamente, pena que não para a glote dele. Estimo que hoje esteja barrigudo e careca. E sem unhas. Aquilo foi coisa para me fazer desmaiar, numa épica cena em que perdia os sentidos e acordava, e assim sucessivamente, pois as dores eram tantas que voltava a perdê-los, isto até a empregada me ir buscar (porque nós éramos chiques e os meus pais trabalhavam os dois, não existiam telemóveis e o contacto de emergência era o de casa, não vão já achar que eu era uma criança abandonada, criada pela criada, sei lá) e eu ainda desmaiar mais umas quantas vezes em cima da pessoa. Depois andei muitos anos com uma unha torta e diferente das outras, sensível e coitadinha.
Portanto, isto, quanto a unhas, retenho este trauma infantilóide.
Já quanto a cabelos, aconteceu uma vez, teria talvez dezasseis anos, em que sonhei que me tinham cortado o cabelo curto, e, assim que acordei do pesadelo, dirigi-me ao cabeleireiro e pedi que me cortassem a melena igual à da Isabelle Adjani, só que a bruta deve ter percebido mal o meu imperdonable french e deixou-me igual à Lara Li. Enfim, foram meses até esta bodega chegar aos ombros, mas meses de auto-bullying no liceu, coisa mais confrangedora sair à rua sem antes tentar esticar a peruca com a escova e o secador, que naquele tempo não havia géis nem espumas, era tudo tão atrasado, parece que saí da Idade da Pedra Lascada, mas de debaixo de uma pedra, mesmo.
Também podia ter ficado traumatizada com dentistas, pois entre os dez e os treze anos tive um que me brocava os molares todos até ao nervo sem anestesia, mas é possível que haja uma sádica em mim, e isso não me demoveu de me sentar (e deitar!) na cadeira de outros dentistas que lhe sucederam, provavelmente porque o maluco já tinha brocado tudo o que havia para brocar nesta minha cavidade bucal. Muáháháháhá.

3 comentários:

  1. Ahahahahahhahah
    Que maravilha de texto.
    Coincidente com os seus traumas só o dentista, mas eu não era de modas, e se não atendia ao meu queixume, e tinha o azar de deixar um dedo por perto, zás, eu mordia.

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    1. Nunca me atrevi a morder nenhum dentista, porque eu sou aquela pessoa que, quando mordesse, a broca estaria encaixada num molar, e era a broca que morderia. Mas só não dei um estalo a um porque ele foi atender na sala ao lado no preciso momento em que tinha acabado de me provocar a dor mais excruciante de que tenho memória, que até me vieram lágrimas aos olhos.

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    2. E obrigada, noname :)

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